- Estava com uma vontade louca de falar contigo! Mas nao conseguia sair da cama, minha cabeca dói. E essa chuva fechando o verao me impede de levantar.
- Vixi, a noite foi tao boa assim que você nao podia nem se arrastar até o telefone?
- Ai, eu tava louca. Para falar com alguém, que bom que você me atendeu. Você nao sabe o que aconteceu ontem, cara, bom demais e surreal.
- Lá vem você me dizer que quase pegou. Já te disse que isso nao é notícia. Fatos por favor e sem elocubracoes.
- Nao, nada de quase. Mas foi tudo muito confuso. Eu só me meto em confusao. Saco.
(suspiro longo) Entao, eu saí, fui ao cinema ver um filme daquele diretor taiwanês que eu te falei, tô viciada nos filmes dele. Nao sei se é bem isso ou se eu entrei no piloto automático e nao consigo deixar de freqüentar a mostra.
- Quem é mesmo?
- Hou Hsiao Hsien. Ontem o filme só tinha comida e cigarro. Eu morrendo de fome e sem fumar há uma semana, saí dali correndo para um bar e pedi um coquetel. Para esquecer os outros vícios, sabe.
- Só tu mesmo. Foi com quem?
- Com o carinha, aquele tal Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo. É bom, filosofamos sobre a vida. Tem muitas questoes em comum que nos aflingem, a nós, imigrantes.
Ai cara, que fome, preciso comer macarrao, nao tem nem uma alface nessa casa.
- Aqui também nao, e por falar nisso, também tô de ressaca, só na coca-cola. Mas afinal, continue. Pegou o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo?
- Ih, nao! Ele perdeu a graca para mim sexualmente falando. É meio foda porque talvez pode ser que às vezes role um clima entre nós, mas eu nao estou preparada para tanta sutileza, enche o saco ter que ficar tentando adivinhar e intuindo o tempo todo. Saímos do bar e fomos ouvir música boa num outro bar que eu sempre vou. Estava um pouco preocupada porque tinha combinado de encontrar três caras de Barcelona que eu acabei de conhecer e fiquei meio assim sem saber como seria a interacao entre eles e o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo. Adoro ser a única mulher dentre homens, fico mais à vontade do que com mulheres ao meu redor.
- Eu também mas talvez porque a gente jogue no mesmo time, você sabe. Nossa, baixei um disco do Chet Baker muito bom, vou te passar, você vai gostar. É leve e já que pelo visto você tá num momento Audrey, combina.
- Manda sim! Eis que no bar nao tinha cara de Barcelona nenhum, eu já tava na terceira cerveja depois do segundo whisky, o sax tocando alto e eu pirando por um cigarro.
- Eu sabia!
- Nao resisti e fui pedir para um Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis. Na verdade eu nao tinha nem notado que ele era um ser humano com potencial, só vi ele à meia-luz enrolando um cigarro e cheguei como quem nao quer nada.
- E nao queria mesmo?
- Sim, um cigarro. Cheguei meio sem graca, eu sempre chego meio sem graca aqui, me desculpei por estar perturbando mas eu PRECISAVA de um cigarro. Ele me deu tabaco, filtro, seda e comecou a puxar papo. Conversamos tempos, falamos de filmes, da documenta, ele muito curioso perguntava da minha vida e eu respondia.
- Ai filha, você quando comeca, coitado do cara.
- Coitado nada. Sabe o que ele faz? É Sozialwissenschaftler e faz alguma coisa como Pedagogin, nao entendi direito, você sabe que eu nao me interesso por esse assunto.
- Ai sua insensível! Europeus querendo ajudar o terceiro mundo.
- É, tem muito. Ele bem que comecou com esse papo chato de ONG, dar aula para criancinhas carentes... Essa coisa toda mas logo mudamos de assunto, falei como eu achava o mundo da Ásia um outro planeta e de como eles sao pequenos, eu estava impressionada.
- E sao mesmo né? Nao é só clichê nao. E já reparou que nao tem gordo?
- É, a comida é mais saudável. Falar nisso, que fome cara. Mas bom daí a gente ficou conversando horas e o amigo dele sentado num balco desses altos de balcao do bar, olhando a paisagem da pista de danca. Ele me apresentou o amigo e quando vi estávamos os três dancando.
- E o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo?
- Num canto olhando, eu me senti um pouco mal, mas daí comprei outra cerveja, nao queria pensar em problemas. Eu sei que depois de muito papo e de falar umas coisas absurdas, a gente tava na pista de novo. Ele todo bonitinho comigo, o Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis.
- Como todo bonitinho?
- Ai nao sei, pequenas coisas. Quando a gente entrou do pátio para a pista ele ficou esperando eu me levantar para continuar andando num gesto "venha junto com a gente". Nao sei explicar, tava fofo, tava rolando um clima. Mas aqui esses climas sao diferentes, entao eu tava na minha. As músicas muito boas, iguais às do meu ipod! Só anos 60 roots. Eu pedi pro DJ Jorge Benjor.
- Jorge Benjor? O cara sabia o que era?
- Claro, eu sabia que ele tinha isso no repertório. E ele tocou. No meio do "Tunga baraúna", eu rodando minha saia e dancando com coxas entre as coxas... ai... e de repente a gente se olhando e se tocando... rolou um beijo. Daqueles exterminadores.
- Palmas, palmas. Até que enfim! Depois de quanto tempo?
- Eu nem sei mais, perdi as contas. A gente se beijou muito, se agarrou loucamente, de um jeito que saímos os dois tontos no meio da pista mesmo. A gente parava e eu me afastava e pensava, meu deus, o que é esse cara, o que foi esse beijo. E o tempo afastado nao durava nem 30 segundos, os dois nao se agüentavam e a agarracao continuava.
- Tô imaginando. Chocando os alemaes.
- Menina, você nao crê quem eu no meio de metade do agarramento avisto. O Dread-de-Fevereiro-que-Pediu-Para-Lavar-Roupa-Lá-Em-Casa-e-Nunca-Mais-Apareceu.
- Ai, todos reunidos no salao.
- É, e o mais escroto foi que eu fui pedir fogo para ele, ele estava dancando com os dreads na cara. e levantou o rosto, foi HORRÍVEL. Ele me olhou, acho que ele já tinha me visto. Eu me espantei. Falei rapidinho com ele porque nao queria que o Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis desconfiasse de nada. Você sabe, estava por alguns segundos apaixonada.
- Sua paixoes fulminantes sempre. Pensei que você tivesse aprendido.
- Aos poucos eu tô bem melhor. Sobrevivendo sem paixoes há mais de um mês. Enfim, nos agarramos muito até que eu quis ir embora, porque já era mais de quatro. Convidei ele para ir para minha casa.
_ Você é foda cara, nao consegue segurar a calcinha uma vez se quer né? Nao aprendeu que aí as coisas NAO FUNCIONAM assim?
- É, daí eu me fudi, ele falou que era cedo e ao invés de pegar meu telefone, sei lá, nao. Disse para eu aparecer no Duncker que. Eu falei que ia viajar. Ele combinou de me encontrar lá na primeira terca-feira de outubro.
- Eu já vi esse filme... foi igualzinho com o Dread-de-Fevereiro-que-Pediu-Para-Lavar-Roupa-Lá-Em-Casa-e-Nunca-Mais-Apareceu.
-Pois é! Eu lembrei tanto. Daí me deu raiva, eu falei para ele que quem sabe talvez eu apareceria, mas assim, completamente sem empolgacao. Voltei bêbada de bicicleta, coracao apertado. E, você nao sabe!
- Mais?
- Na volta para casa um carinha que tava lá no bar me olhando o tempo todo apesar de eu estar num agarramento sem vergonha nenhuma, sai do bar junto comigo. Eu pego minha bike, ele a dele e vai pedalando do meu lado, comeca a puxar papo, eu respondo, vamos conversando subindo a rua.
- Tá podendo hein fia?
- Ai, mas eu tava com o outro na minha cabeca, eu tinha acabado de subir a um pedestal e cair lá de cima, o beijo dele, ai, me dá até um frio na barriga de pensar. Imagina trepar com esse cara?
- Só na imaginacao né nêga?
- É, só. Quer merda de cultura escrota, me irrito. Porra, custava o maluco pegar meu telefone? Ele também tava morrendo de tesao que eu sei. Daí essas coisas se perdem, deixam de ser vividas porque os caras sao uns idiotas. Puta merda.
- Quantos anos ele tem?
- Sabe que eu nao faco a minima idéia? E ele também nao faz da minha idade. Achei isso curioso. Mas acredito que ele tenha uns 28, foi o que pareceu. Mas aí cheguei em casa e na esquina do meu prédio fui dar um tchau pro carinha que me acompanhou no percurso. Nao é que o maluco tenta me beijar?? Ele tá pensando que eu sou o quê? Tive vontade de gritar: VOCÊ NAO VIU QUE EU ESTAVA COM OUTRO MALUCO E COMPLETAMENTE CHEIA DE TESAO? NAO VENHA QUERER PEGAR Os RESTOS DE MIM! Mas disse apenas TCHAU E VOLTE BEM PARA CASA. Subi, deitei e dormi num instante tao breve que nao me permitiu sonhar mais com ele. E depois de pensar tanto, suguei tudo o que tinha dele dentro de mim e agora está apagado também, como tantos outros.
quarta-feira, agosto 22, 2007
sexta-feira, agosto 17, 2007
Como uma mulher traida
Esticou o braco para ver os dedos tremerem involuntariamente.
Procurava acalmar a respiracao ofegante e nao roer as unhas.
Sentava numa cadeira vermelha num corredor que terminava numa janela para o infinito.
Céu de um lado e fundo preto de outro. Era míope e o fim do corredor tao comprido era escuro, para ela preto mesmo, o fim.
Na barriga, contorcoes. Imaginava-se vomitando um balde inteiro ao lado da cadeira, de pé, encostada na parede feito um bêbado que tenta se equilibrar apoiando no poste.
O pé num sapato amarelo nao parava de balancar em movimentos muito rápidos que faziam seu corpo todo tremer.
Olhava a porta em frente e imaginava o que poderia se passar por trás daqueles murmúrios vindos da porta fechada atrás de si.
Tentava pensar nos seus objetivos de vida, onde gostaria de estar daqui a dez anos para ver se finalmente chegava a um resumo mental de tantos objetivos misturados e conseguia colocar para fora com clareza aquilo tudo. Mas só podia imaginar o quao bom seria se passasse e tivesse durante dois anos tranqüilidade no viver. Sabia da sua dificuldade de lidar com a palavra falada. Gostava mais do papel. De falar de si, somente informalmente, entremeando com brincadeiras.
Saiu a candidata antes de si. Foi chamada.
Entrou na sala, sete acadêmicos. Uma cadeira no centro, vazia. Sentiu suas bochechas ficando vermelhas. Sentou-se e juntou suas maos geladas como as de um defunto em frente ao peito. Respondeu que sim, havia dormido bem e sorriu tentando demonstrar calma.
Na saída, tontura, de repente o preto do final do corredor invadiu sua cabeca, teve vontade de entrar numa privada e ficar ali estirada vomitando tudo que pudesse de dentro de si. Colocou os óculos escuros, continuou caminhando e pensando que pena, teria sido tao bom. Nao era a sua missao.
Passou o resto da tarde dormindo e quando acordar vai ter dor de cabeca.
Procurava acalmar a respiracao ofegante e nao roer as unhas.
Sentava numa cadeira vermelha num corredor que terminava numa janela para o infinito.
Céu de um lado e fundo preto de outro. Era míope e o fim do corredor tao comprido era escuro, para ela preto mesmo, o fim.
Na barriga, contorcoes. Imaginava-se vomitando um balde inteiro ao lado da cadeira, de pé, encostada na parede feito um bêbado que tenta se equilibrar apoiando no poste.
O pé num sapato amarelo nao parava de balancar em movimentos muito rápidos que faziam seu corpo todo tremer.
Olhava a porta em frente e imaginava o que poderia se passar por trás daqueles murmúrios vindos da porta fechada atrás de si.
Tentava pensar nos seus objetivos de vida, onde gostaria de estar daqui a dez anos para ver se finalmente chegava a um resumo mental de tantos objetivos misturados e conseguia colocar para fora com clareza aquilo tudo. Mas só podia imaginar o quao bom seria se passasse e tivesse durante dois anos tranqüilidade no viver. Sabia da sua dificuldade de lidar com a palavra falada. Gostava mais do papel. De falar de si, somente informalmente, entremeando com brincadeiras.
Saiu a candidata antes de si. Foi chamada.
Entrou na sala, sete acadêmicos. Uma cadeira no centro, vazia. Sentiu suas bochechas ficando vermelhas. Sentou-se e juntou suas maos geladas como as de um defunto em frente ao peito. Respondeu que sim, havia dormido bem e sorriu tentando demonstrar calma.
Na saída, tontura, de repente o preto do final do corredor invadiu sua cabeca, teve vontade de entrar numa privada e ficar ali estirada vomitando tudo que pudesse de dentro de si. Colocou os óculos escuros, continuou caminhando e pensando que pena, teria sido tao bom. Nao era a sua missao.
Passou o resto da tarde dormindo e quando acordar vai ter dor de cabeca.
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