sábado, abril 28, 2007

De mudança

Acordei pensando em como o dono de um restaurantezinho qualquer dentre os milhares da cidade podia ter um Mercedes-Benz zero quilômetro. E também em como os árabes são simpáticos e esquisitos. Veja que não param de me dizer que querem me ver dançar que nem as brasileiras. Tento explicar que não sou assim tão típica. Ao que eles rebatem que não é possível, só oito meses de Alemanha e já quer dizer que é alemã? Não há por que me esforçar em explicar que não é nada disso, apenas não rola de sair sambando por aí. Deixa estar.

O céu azul e sol me convidam para sair, quase me obrigam. Da varanda olho as chinelas, blusas de alça, os vestidos e as folhas das árvores verdinhas, algumas com flores, nem sinal de galho. Delícia seria lagartixar num café mas a minha volta é dominada por caixas de papelão e um sem número de quinquilharias alfinetando a mente. Como pude acumular tanta coisa em tão pouco tempo? Pensar em levar metade que seja pro Brasil está fora de cogitação. Tento aceitar a vida nômade que acho que vai ser a minha, mas às vezes é difícil se livrar de coisas que julguei por um bom tempo de tanto valor. Livros, levo todos. Revistas ficam. Justo elas que me serviram de bússola quando estava perdida numa cidade nova. Elas ficam. Roupas, levo todas também, há que se dar um jeito, cansei de me desfazer. Só de lembrar da calca jeans novinha que me custou os olhos da cara e simplesmente dei para uma espanhola gente fina nas andanças por aí, arrepio. Nunca mais encontrei uma calca jeans que eu amasse tanto. Daí criei essa aversão a largar coisas, mas passa – não tem outro jeito. Nas prateleiras, nos manequins, só se vêem skinnys. Eu nao gosto de skinnys. Nem de sutiã com enchimento e arame. Não que eu nutra qualquer orgulho disso, mas não tenho perna fina e nem a menor vontade de ter peitão, o que dificulta muito. Calcinha então, esquece, mamãe compra em Ipanema e manda. Não me julgo nem um pouco mimada e tenho essas frescuras, imagino como as meninas mal-acostumadas fazem em terra estrangeira.

A mudança em questão parece posta no destino como um tira-gosto pra volta à terra mãe. Na verdade só mudo de quarteirão, ganho uma banheira e uma varanda maior. O resto continua quase igual, exceto pela alegria extra de juntar mais quinquilharias para encher o chão de tábua corrida. Eu num mercado de pulgas por essas épocas sou que nem pinto no lixo. Os turcos que vendem panelas quando me vêem saem até correndo, lá vem a moça chata que gosta de pedir desconto.

Volto a pensar nos árabes. Tantos imigrantes que fico confusa. Os adolescentes alemães adoram fumar narguilê nos bares deles. Só andam em bando, como em qualquer lugar do mundo. Reclamam que o fumo não está bom como se fossem os maiores especialistas no assunto, riem alto e só pedem uma cerveja. Como qualquer indivíduo na Germânia, são pão duros.

As caixas ainda me olham reprovativamente, invento mil afazeres para não encaixotar. Mistura de preguiça e sensação de perda de tempo que me dá arrumar tudo para depois desarrumar. É hora de encará-las.

sábado, abril 21, 2007

E Gol? *

A bola no meio do campo e ninguém chuta. Uns goles como empurraozinho, ela se aproxima da linha branca riscada no verde do gramado. Equilibra-se em cima dela sem cair. Até que ele ouve o apito, chuta a bola e inicia-se o jogo. Corre para o ataque, ela fica na defensiva, escorrega e mesmo na zaga resolve cavar seu próprio gol.
Dribles, passadas de bolas, baloezinhos, bicicletas na trave, no fim, empate.
Os preparativos para a próxima partida sao intensos, os jogadores querem revanche.
Ansiosos, eles demonstram calma ao adversário.
A bola está no campo alheio, deixa que é a vez dele chutar.
Já é fim do primeiro tempo, os jogadores cansados e nervosos, nao sabem o que fazer para terminar bem a partida.

* homenagem às metáforas futebolísticas de Carolina Salomao

domingo, abril 15, 2007

viva o sol

Colo vermelho, sensacao de ardência no rosto, dedinhos dos pés à mostra, canelas ao ar livre, canga, grama, "she is beautiful" com céu azul de fundo, bicicleta holländer limpa e calibrada com gosto, lenco e óculos escuros novos, Berliner Pilsner a 1,50 gelada!, panelas coloridas ao preco que se quiser pagar, saudacoes rubro-negras ao gringo de havaianas, regata do Flamengo e canga do senhor do Bonfim, churrasco aqui, churrasco ali, fila para ir ao banheiro, falacao num tom mais alto, perrengue para achar um poste livre para estacionar a bike, suco de laranja "frisch gepresst", albaneses vendendo cadeados a preco de banana, listras verticais combinadas a listras horizontais de preferência de cores diferentes, cortes de cabelo assimétricos, pintura do muro renovada, cachorros soltos, criancas soltas, o verao chegou no Mauer Park. É possível calor ao norte da linha do Equador!

quarta-feira, abril 04, 2007

quando as coisas ganharam vida

As bolsas da Taschen, as mochilas da Bree, os sapatinhos de boneca coloridos acordaram revoltos a provar o que sao: maus. Malvadíssimos, atacam e fazem da moca trapo caído a se arrastar como alguém que em vida é obrigado a encarar seus amigos se transformarem em inimigos.

A moca nao era de grandes sonhos, pensava no pao - que nao precisava ter gergelim ou ser integral - de amanha e em sair para falar umas besteiras com cerveja. Nao era especial, mas nao queria o mal de ninguém, queria só passear. Até ser atacada pelas coisas que imaginava sem vida.

Agarraram-na pelo pescoco, pela cintura, amarraram seus tornozelos e a deixaram parada, imóvel, esquecida no tempo e espaco a olhar o nada com uma única fresta de luz que entrava de uma só janela do porao vazio.

Ficou por anos naquela mesma posicao. Quando a encontraram e reportaram o seqüestro na TV nao tinha mais jeito, ela nao servia nem para as palavras cruzadas mais. Parada em frente à TV nao conseguia acompanhar a rápida sucessao de imagens que formavam a novela, confundia os personagens. Conseqüências do ataque.