Fazia um calor de 30 graus que normalmente consideraria médio, mas para quem passara um longo período de graus negativos, era quente à beca. O sol entrando pela janela ainda sem cortina do apartamento novo despertou-me dez minutos antes do despertador. Querendo aproveitar ao máximo o tempo disponível para o sono - cada vez mais escasso - estava enrolando para levantar quando a campainha tocou. Em princípio pensei que fosse minha room-mate que nao dormira em casa. Levantei quase puta por ter de enfim estar de pé e deixar aqueles preciosos a essa altura oito minutos de sono.
Arrastei-me até a porta com minha camisa do Mickey cinza que meu pai usava quando eu era pequena e que mais tarde roubei do armário dele. Por algum motivo a camiseta continuava entre minhas roupas e eu a usava sempre pra dormir. Sem sutia e trajando ainda uma calca larga de flanela azul, cabelos arrepiados e remelas nos olhos, abri a porta pronta para xingar a pobre da minha companheira de apartamento.
Era o vizinho de cima. Oito e vinte da manha. Hallo! Susto.
Sören em seu short de pijamas e chinelos que poderiam ser havaianas me olha remelenta, se desculpa dizendo que saiu para comprar pao e quando voltou a porta tinha batido, "meu deus, isso nunca aconteceu comigo, desculpe ter te acordado, mas eu preciso ligar para um chaveiro, algo assim. Já procurei o zelador do prédio para saber se ele tem uma chave reserva, mas ele sumiu e eu tô aqui meio sem saber o que fazer."
"Imagina, Sören, entra aí, toma um café. Listas amarelas nao tenho nao, mas você pode usar a internet". A porta do quarto se abre, um sutia jogado no chao recepciona a visita. Par de jeans ao avesso em cima da cadeira da escrivaninha para onde ele se encaminhou. No cinzeiro da cabeceira, a ponta do beck da noite anterior. "Liga nao Sören, fique à vontade."
Em seu shortinho samba-cancao, ele procura o número de um chaveiro no google. Eu me tranquei no banheiro para pelo menos lavar o rosto e colocar uma blusa com sutia antes de encarar a pia de louca a fazer o tal do café.
Ouvimos passos na escada e ele saiu apressado para ver quem era. Era ele, o zelador. Senhor zelador quase ganhou um beijo na boca de um magrelo sem camisa quando disse que tinha uma chave reserva de cada apartamento. Economia de 60 euros e de constrangimentos outros.
Agora estou procurando O homem Nu do Sabino em alemao para presentear o vizinho. Será possível?
quinta-feira, maio 24, 2007
terça-feira, maio 15, 2007
Encontros
Um pouco do fim de semana no blogue da Cecília Giannetti que está deixando Berlim depois de um mês aqui em missao.
segunda-feira, maio 14, 2007
Por enquanto quieta
Distraída pra morte, eu estava sim. Olhava estrelas em ambiente fechado. Você falava, eu mantinha o olhar fixo num ponto qualquer e ficava desconcertada quando percebia que sua frase acabara e que eu nada ouvira. O pior era quando eu começava a falar e de repente me perdia entre as minhas próprias palavras atenta à conversa da mesa ao lado. Era tanto tempo de enclausuramento deixando a vida de lado que num encontro desses nao sabia como me comportar. Voltei pra casa com um vazio no peito, me sentindo superficial e provinciana em contraponto ao meu querer ser cidadã do mundo e colorida.
Acordei receosa dos momentos de falar sem fim que também houvera na noite anterior, como se todas as falas economizadas na solidão do quarto tivessem resolvido cair na pista. Desacostumadas, escorregavam e iam por caminhos conhecidos ao invés de arriscarem novas paisagens.
Nao queria mais aquelas palavras, queria outras. Sabia que surgiriam, renovavam-se à medida em que o tempo passava. Pareciam andar na direção contraria a ele. Quanto mais tempo num lugar, palavras novas nascidas da estabilidade. Era só uma questão de paciência.
Acordei receosa dos momentos de falar sem fim que também houvera na noite anterior, como se todas as falas economizadas na solidão do quarto tivessem resolvido cair na pista. Desacostumadas, escorregavam e iam por caminhos conhecidos ao invés de arriscarem novas paisagens.
Nao queria mais aquelas palavras, queria outras. Sabia que surgiriam, renovavam-se à medida em que o tempo passava. Pareciam andar na direção contraria a ele. Quanto mais tempo num lugar, palavras novas nascidas da estabilidade. Era só uma questão de paciência.
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