Andava de um lado para o outro do corredor, mordendo os lábios, respirando fundo para se acalmar, se abanando com a propaganda de supermercado. Sentava e levantava, passava as mãos nos cabelos, e jogava a franja para trás da orelha. Maria Lúcia era do tipo certinha, nunca tinha dado um passo em falso na vida, movimentos todos muito calculados. Escola-faculdade-estágio-emprego fixo-fórum. Aos trinta e dois anos, promotora de justiça com boa fama. Agora lhe aprontava essa, a vida, puxaram-lhe o tapete e ela não sabia como sair do chão. O amor, essa coisa, sabe como é, a gente fica submissa mesmo, logo ela, que horror. Tinham acabado de chegar da Europa, os dois. Foi o avião aterrissar para ele sumir por quatro dias. Tudo tão lindo nos cafés de Marrais, nos lençóis brancos do hotel, dentre as tulipas de Den Haag, Amsterdã à beira mar, mais chique.
O caso era difícil, o daquela semana, ela tinha que estudar, montar uma estratégia, mas não ligava, não tinha medo, a cabeça não parava de pensar nela e nele e no que seria. Maria Lúcia foi procurar uma analista, Dra. Cláudia, indicação do juiz do tribunal, parece fera.
Leila, casada há três anos, namorou sete (anos, o mesmo cara). Um filhinho lindo, sobrinho querido, neto preferido. Tailleur todo dia, salto de bico fino, criança numa mão, chave do carro na outra. No fim do dia não tinha mais jantar a dois, cafuné na cama. Do dia para noite ele resolveu sair de casa, sei lá, viver todas as mulheres do mundo que ele não notava existirem nos últimos dez anos. O cara estava no auge e Leila ainda apaixonada. Ela sabia que ele gostava dela, sentia, mulher acha que sente essas coisas. Então ela deixou ele ir para ver qual era até porque não lhe restava outra opção. Foi e foi e foi mais um pouco até que surgiu a outra.
O cara entrou em conflitos. Sérios. Conflitos sérios. Não sabia mais o que queria, antes ele achava que era galinhar um pouco e voltar para casa, mas agora não sabia mais se tinha casa, que casa que era, aquela confusão, a maioria da gente sabe bem. O cara pirou tanto que em festa de família, quando era território neutro, tipo aniversário da prima, ele levou ela, a outra. Para dizer para mãe e para a avó – que já tinham dito que na casa delas, só a Leila – que ele tinha a vida dele e fazia dela o que bem entendia – da vida, só para especificar melhor. Ela mostrou-se muito simpática com todos e era uma mulher bem vestida, segura de si, bem resolvida. Dava até para entender a confusão do cara, imagina? Entre a cruz e a espada, diria minha falecida avó (que dentre a coleção de bordões gostava de repetir ‘antes mal acompanhada do que só’).
Sérgio estava assim, refém do coração, cansado de arquitetar planos para ver uma e outra. Passava o fim de semana com Maria Lúcia, os dias de semana com Leila. Uma fingia que não sabia da outra, porque amavam muito. Sérgio deixa levar, não consegue assumir uma atitude, tomar partido por um lado. Resolve viajar, vai para a Europa e leva Maria Lúcia. Lua-de-mel incrível. Volta e vai encontrar com Leila. Leila está namorando. Ele se tranca em casa por três dias, não consegue fazer nada. Liga para mãe e diz que ela “chutou o balde”. A mãe ri do outro lado e ele fica irritado, nervoso. “Não é bom ser corno, sabia?”
Sérgio marca um jantar num restaurante novo, à luz de velas, gostou de lá porque da primeira vez que entrou estava tocando Calvin Harris e Leila que havia apresentado-o. Mandou um buquê de flores com endereço e hora do jantar. Ela foi correndo, pode imaginar, mulher apaixonada, querendo curar as dores do amor com outro, mas louca para continuar a vida vidinha, ele, ela, o filhinho, casa-trabalho-casa, jantarzinho, cafuné, cama. Tem mulher que gosta. Pronto. Ele convenceu, ela desmanchou tudo com o outro cara – médico, bem sucedido, apaixonado. Deixou ele para lá para o recomeço.
Tudo pronto, casa arrumada, lençóis trocados esperando a volta dele no dia combinado. Nada. Anoiteceu e nada. Leila foi procurar uma analista, Dra. Cláudia, indicada pelas amigas, parece fera.
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