segunda-feira, dezembro 01, 2008

a dois

Encontram-se na cozinha por acaso, vindos de seus computadores.

Ele: - Acho que para eu me tornar um cara especializado, só com 40 anos.
Ela: - Por que você não se especializa nessas coisas de computador, você adora.
- Eu gosto.
- Então. Eu ADORO.
- Então por que você não faz?
- Porque tem coisas que eu gosto mais.
- Eu também.
- (levemente irritada): O que por exemplo? Arte contemporânea?

Ele dá aquele risinho maroto, de lado, aquela boca carnuda de lado. Ela ri junto e abre a geladeira. Ele vai diretamente na gelatina tangerina que ainda está mole, ela diz a ele. Ainda? E mete o dedo na superfície molenga, laranja.

Ela: - Quando eu era pequena, a gelatina lá de casa vinha sempre cheia de marcas de dedinhos meus e dos meus irmãos.
Ele: - Sua família é maluca.
Ela: - Não é assim como você pensa, não.

Ele olha para ela com o olhar virado, como se tivesse olhando para alguém mais alto do que ele. Ela só de calcinha lavando louça. Encostado na porta, ele:

- Não é porque eu to olhando seu corpo não, tá beibe?, mas você nunca mais correu, por quê?
- Preciso responder? Não tive saúde nos últimos dias.

Ela volta para suas histórias, pensa em coisas simples, como em procurar a chave do carro na bolsa imensa, abrir a porta e ir para onde for observando como os urubus secam as asas nos postes. Ele volta pro dreamweaver, uma vozinha o perseguindo em inglês, sem dialogar com ele especificamente, ele obedece ao robô. Ela ouve Rhapsody in Blue, no fundo não queria arrumar um emprego, queria cuidar dos pássaros no jardim, ouvir muitas músicas, todas as possíveis, ir ao supermercado e comprar um skate. Gerschwin, feira, alpiste. Fila do banco, da xerox, ônibus. Uma casa longe, textos encomendados que pareciam chatos, mas podem ser legais, óculos enormes.

Hoje ele comentou dos óculos dela. Novos. Perguntou se o trocador ficou rindo dela. Ela sabe que os trocadores riem dos exageros; disse que sim e mostrou o ensaio que fez de si mesma com os óculos novos. Ele disse que era divertido por isso, uma surpresa a cada dia.

Ela pensa em arrumar um amante que gostasse que ela escrevesse no caderno mais caro da papelaria, de capa de couro preta. Que não reclamasse da hora que ela acorda, nem da falta de movimento, que falasse bastante à mesa e de quem ela não pudesse adivinhar os pensamentos.

- Mas não dá para comprar lingerie pra você sem saber seu número, dá? - entra ele carregando seu copo de leite com achocolatado orgânico.
- Ué, você não sabe meu número?

Olha para ele e tem a certeza de que com todas as dúvidas, ele não vai conseguir arriscar ir e deixar. Se não para quem reclamar que não quer ir dormir na hora que ela chama todas as noites, que o cano da pia estourou e precisa secar o banheiro. Da hora de ver o programa de domingo, do charuto novo, do chocolate de bolinhas da Costa Rica, do site incrível.

Um comentário:

Anônimo disse...

na sexta que vem chego ao rio. fico duas semanas e quero muito te ver e saber mais sobre a vida "a dois".

beijocas,

jo.