"E, no entanto, ele morreu, sem ter entrado na terra prometida."
(Ulisses, J. Joyce, pág.161)
www.alhuresenenhures.blogspot.com me amaldiçoou e no fim do ano não dá para brincar. (Na verdade tudo desculpa, eu gostei da brincadeira inútil)
As regras:
1 - procurar um livro próximo;
2 - abri-lo na página 161;
3 - procurar a quinta frase completa;
4 - postá-la no seu blog;
5 - não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6 - repassar a outros cinco blogs.
repassando: Julia W., Bebel, Julia N., Diogo R. e Bruno P. Recado dado, divirtam-se!
quarta-feira, dezembro 26, 2007
domingo, dezembro 02, 2007
Só nikof
Os ombros carregados, encolhidos porque pesados, tensos. Passou em frente à padaria com cheiro de pão fresco, arregalou os olhos famintos para a vitrine, mas sovina seguiu adiante. O sentimento do peso nos ombros era o mesmo do gosto ruim na boca, só que em outra forma física.
Andava com casacos puídos, às vezes gostaria de ter novos mas não havia espaço para pensar nisso naquele momento. As coisas tolas tornavam-se ainda mais insignificantes no vazio absoluto. Queria um banho, um conhaque, coisas que aquecem o corpo e talvez fizessem com que os ombros abaixassem um pouco.
Era esse o tudo em que conseguia pensar. Nos próximos minutos. Não havia a possibilidade de encasquetar de pensar no futuro. Futuro é coisa de rico. Nas próximas horas procuraria tomar um banho quente, deitar e ler um pouco se calhasse de concentrar.
Tentava voltar à rotina, o coração não permitia. Não parava de falar-lhe para tomar uma atitude, drástica que fosse. Os carros passavam, as motos também. No fim da rua continuava a aparecer um pouquinho de céu, como todos os dias antes que resolvessem contruir mais um prédio ali que então taparia o restinho de horizonte.
Pela manhã o despertador tocou no mesmo horário, oito e trinta. De novo não levantou. Só abriu os olhos e fitou o teto com as mãos em cruz sobre o peito. Ficou um tempão nesta posição pensando, claro. Desejava que fosse mais fácil transformar pensamento em ação, mas preferia dormir mais. Continuar assim era melhor do que piorar afinal.
Fez um chá porque café fazia mal, diziam. E também dava mais trabalho. Não tinha biscoitos. Colocou Janis Joplin para tocar bem alto. Ela era boa porque era desesperada e independente como ele queria ser. Quem via, pensava (que ele era). Independente é tão diferente de sozinho no mundo. A solidão dele era tanta que tomava conta do outro. Só, o outro caminhava afastado, fora dali, engolido por ela. Nada de andar de mãos dadas.
Ele queria andar de mãos dadas. Era isso.
Andava com casacos puídos, às vezes gostaria de ter novos mas não havia espaço para pensar nisso naquele momento. As coisas tolas tornavam-se ainda mais insignificantes no vazio absoluto. Queria um banho, um conhaque, coisas que aquecem o corpo e talvez fizessem com que os ombros abaixassem um pouco.
Era esse o tudo em que conseguia pensar. Nos próximos minutos. Não havia a possibilidade de encasquetar de pensar no futuro. Futuro é coisa de rico. Nas próximas horas procuraria tomar um banho quente, deitar e ler um pouco se calhasse de concentrar.
Tentava voltar à rotina, o coração não permitia. Não parava de falar-lhe para tomar uma atitude, drástica que fosse. Os carros passavam, as motos também. No fim da rua continuava a aparecer um pouquinho de céu, como todos os dias antes que resolvessem contruir mais um prédio ali que então taparia o restinho de horizonte.
Pela manhã o despertador tocou no mesmo horário, oito e trinta. De novo não levantou. Só abriu os olhos e fitou o teto com as mãos em cruz sobre o peito. Ficou um tempão nesta posição pensando, claro. Desejava que fosse mais fácil transformar pensamento em ação, mas preferia dormir mais. Continuar assim era melhor do que piorar afinal.
Fez um chá porque café fazia mal, diziam. E também dava mais trabalho. Não tinha biscoitos. Colocou Janis Joplin para tocar bem alto. Ela era boa porque era desesperada e independente como ele queria ser. Quem via, pensava (que ele era). Independente é tão diferente de sozinho no mundo. A solidão dele era tanta que tomava conta do outro. Só, o outro caminhava afastado, fora dali, engolido por ela. Nada de andar de mãos dadas.
Ele queria andar de mãos dadas. Era isso.
segunda-feira, novembro 12, 2007
Morna, a Trapezista
Tinha a trapezista, a casa, dez graus à noite, saídas todas as manhãs para comprar pão fresco, Miles Davis e seus amigos improvisando no fundo. Todo dia era acordar cedo para ir à padaria, tomar banho (em seguida) ouvindo música; fazia questão de demorar-se debaixo d`água. Juntava as roupas para o ensaio numa mochila escolhida a dedo por ser prática e bonita.
Ensaiava duro todo o dia, tentava a cada vez esticar a ponta do dedo mais alongada ainda, curvatura de bailarina – na infância ela não dançou, por isso obrigava-se a treinar os pés tanto quanto os braços, que eram o instrumento para sustentá-la no ar. Tinha tanto carinho pelos membros superiores quanto pelos inferiores, diferente dos outros trapezistas que ligavam para as estripolias no ar mas esqueciam do acabamento final.
Vésperas de fim-de-semana, quando o circo ganhava limpeza, bolas de gás coloridas, vendedor de algodão doce, permitia-se sair à noite para tomar um vinho, relaxar a cabeça para voar mais leve no dia seguinte.
Era assim sempre, há mais de um ano quando o circo se estabeleceu numa única cidade e ela podia ter móveis seus pela primeira vez, conversar com o dono da padaria, ser reconhecida no bar da esquina, ganhar um sorriso cúmplice na locadora de vídeo. Pormenores urbanos que passavam despercebidos para a maioria. Para ela eram mais felicidade.
A rotina ela não seguia somente, aproveitava. Desenvolvia manias únicas de quem vive sozinho e ria de si mesma ao flagrá-las.
Estava assim, tudo bem, a trapezista achando que estava feliz na vida vidinha de minuto após o outro. Apesar da simplicidade aparente, tinha sonhos, vontades de conquistas.
Um dia ela e a bicicleta saíram para ir ao ensaio, mochila nas costas. Esse dia saiu até levemente maquiada mesmo àquela hora da manhã, passou batom e blush para disfarçar a palidez pela falta de sol. Pegou o mesmo caminho de sempre, rua principal, à direita na esquina do simpático vendedor de hot dog, reto até a curva na rua esquisita que só tinha prédio de vidro. Pretendia seguir adiante, mas não conseguiu não parar ao se deparar com uma árvore repleta de lírios cheirosos e folhas verdes. Parou para tocá-la e analisar melhor o milagre praquela época fria do ano. Acariciou o tronco, tirou umas duas flores do galho sentindo-se no direito de ter um pouco da beleza consigo – não sabe mais ao certo se foram duas ou três, a exatidão dos fatos está embaralhada - tinham tantas! Fez foto com o celular da surpresa na paisagem. Nos três dias seguintes só pensava na árvore, chegou a fazer o caminho de volta na contramão para passar em frente depois do circo. Contou a descoberta que de primeiro ela optara por guardar em segredo a dois amigos, eles mereciam saber do motivo do sorriso com olhinhos brilhantes.
No quarto dia, ao virar a curva para rua esquisita, foi surpreendida por um trânsito enorme, carros buzinando tomando todo o espaço até o outro lado da rua, o da árvore. Motoristas tão impacientes que nem notaram a beleza e o cheiro da natureza em meio ao concreto. Ela tentava espiar as pétalas brancas, exuberantes, quase dizia em voz alta “me espera que estou chegando aí”. Procurava uma brecha entre um carro e outro, era realmente intransponível, não havia espaço para ciclista ali. Um motorista abriu de repente a porta do carro para gritar raivoso algum xingamento ao guarda de trânsito que inutilmente tentava organizar o caos e atingiu a bicicleta, ela ralou o joelho. A roda entortou.
Saiu sangrando sem se importar com a dor, a roupa suja, o frio, a bicicleta. Doía mesmo era saber que não chegaria ao outro lado mais. Depois de tantos incidentes que ela via pelo caminho, não deixariam a árvore sair ilesa do caos urbano, ela não sobreviveria. Do posto médico próximo ela descobriu uma nova rota para chegar até o circo, lugar de onde ela nunca deveria ter resolvido se mudar, pensou, de um colorido artificial mas que está sempre ali, mesmo estando em qualquer parte.
No novo atalho as ruas eram largas com o caminho da ciclovia bem delineado, era mais seguro de andar por ali, mas não tinha a mesma graça, faltava o vendedor de hot dog na esquina e toda a beleza que ela via quando ia pelo outro lado. Resignou-se a tomar o trajeto recomendado, nada de ousar em busca de outras paisagens mais, acabava que chegava atrasada ao ensaio toda vez. Agora ela não levava bronca por atrasos mais mas também não conseguia fazer uma ponta de pé tão curvada que arrancava suspiros dos mais atentos da platéia. Quem liga? O circo é para criança mesmo e criança nem nota pequenas coisas como essa.
Ensaiava duro todo o dia, tentava a cada vez esticar a ponta do dedo mais alongada ainda, curvatura de bailarina – na infância ela não dançou, por isso obrigava-se a treinar os pés tanto quanto os braços, que eram o instrumento para sustentá-la no ar. Tinha tanto carinho pelos membros superiores quanto pelos inferiores, diferente dos outros trapezistas que ligavam para as estripolias no ar mas esqueciam do acabamento final.
Vésperas de fim-de-semana, quando o circo ganhava limpeza, bolas de gás coloridas, vendedor de algodão doce, permitia-se sair à noite para tomar um vinho, relaxar a cabeça para voar mais leve no dia seguinte.
Era assim sempre, há mais de um ano quando o circo se estabeleceu numa única cidade e ela podia ter móveis seus pela primeira vez, conversar com o dono da padaria, ser reconhecida no bar da esquina, ganhar um sorriso cúmplice na locadora de vídeo. Pormenores urbanos que passavam despercebidos para a maioria. Para ela eram mais felicidade.
A rotina ela não seguia somente, aproveitava. Desenvolvia manias únicas de quem vive sozinho e ria de si mesma ao flagrá-las.
Estava assim, tudo bem, a trapezista achando que estava feliz na vida vidinha de minuto após o outro. Apesar da simplicidade aparente, tinha sonhos, vontades de conquistas.
Um dia ela e a bicicleta saíram para ir ao ensaio, mochila nas costas. Esse dia saiu até levemente maquiada mesmo àquela hora da manhã, passou batom e blush para disfarçar a palidez pela falta de sol. Pegou o mesmo caminho de sempre, rua principal, à direita na esquina do simpático vendedor de hot dog, reto até a curva na rua esquisita que só tinha prédio de vidro. Pretendia seguir adiante, mas não conseguiu não parar ao se deparar com uma árvore repleta de lírios cheirosos e folhas verdes. Parou para tocá-la e analisar melhor o milagre praquela época fria do ano. Acariciou o tronco, tirou umas duas flores do galho sentindo-se no direito de ter um pouco da beleza consigo – não sabe mais ao certo se foram duas ou três, a exatidão dos fatos está embaralhada - tinham tantas! Fez foto com o celular da surpresa na paisagem. Nos três dias seguintes só pensava na árvore, chegou a fazer o caminho de volta na contramão para passar em frente depois do circo. Contou a descoberta que de primeiro ela optara por guardar em segredo a dois amigos, eles mereciam saber do motivo do sorriso com olhinhos brilhantes.
No quarto dia, ao virar a curva para rua esquisita, foi surpreendida por um trânsito enorme, carros buzinando tomando todo o espaço até o outro lado da rua, o da árvore. Motoristas tão impacientes que nem notaram a beleza e o cheiro da natureza em meio ao concreto. Ela tentava espiar as pétalas brancas, exuberantes, quase dizia em voz alta “me espera que estou chegando aí”. Procurava uma brecha entre um carro e outro, era realmente intransponível, não havia espaço para ciclista ali. Um motorista abriu de repente a porta do carro para gritar raivoso algum xingamento ao guarda de trânsito que inutilmente tentava organizar o caos e atingiu a bicicleta, ela ralou o joelho. A roda entortou.
Saiu sangrando sem se importar com a dor, a roupa suja, o frio, a bicicleta. Doía mesmo era saber que não chegaria ao outro lado mais. Depois de tantos incidentes que ela via pelo caminho, não deixariam a árvore sair ilesa do caos urbano, ela não sobreviveria. Do posto médico próximo ela descobriu uma nova rota para chegar até o circo, lugar de onde ela nunca deveria ter resolvido se mudar, pensou, de um colorido artificial mas que está sempre ali, mesmo estando em qualquer parte.
No novo atalho as ruas eram largas com o caminho da ciclovia bem delineado, era mais seguro de andar por ali, mas não tinha a mesma graça, faltava o vendedor de hot dog na esquina e toda a beleza que ela via quando ia pelo outro lado. Resignou-se a tomar o trajeto recomendado, nada de ousar em busca de outras paisagens mais, acabava que chegava atrasada ao ensaio toda vez. Agora ela não levava bronca por atrasos mais mas também não conseguia fazer uma ponta de pé tão curvada que arrancava suspiros dos mais atentos da platéia. Quem liga? O circo é para criança mesmo e criança nem nota pequenas coisas como essa.
sábado, outubro 06, 2007
terça-feira, outubro 02, 2007
Dupla insensatez
Saber que seu coracao fica do tamanho de um botao de rosas impedido de crescer por falta d`água quando você ouve minhas palavras me dói tao duro que é melhor me calar.
Calada me culpo por nao alertar o que para mim é tao nítido e para você obscuro numa ordem centesimal.
Você, um anjo de lábios rosados, olhos azuis e o cabelo de qualquer jeito, cada hora um. As bochechas grandes e macias como as minhas, dá vontade de apertar e botar para ninar. Embalar você com cancao didática, tentando te mostrar o caminho mesmo sem saber para que lado eu mesma devo seguir na encruzilhada. Parece que já estive perdida mais vezes e isso me garante seguranca para te dizer que curva virar.
Uma vontade de explicar o inexplicável; de solucionar mistérios; aprender matémática que eu nunca soube para te provar com razao incontestável. Depois pegar na sua mao macia, você sempre teve maos macias e cuidadas de creme, sair por aí para descobrir mais um canto, mais uma cidade perdida como nós ou até mais encontrada do que nós neste planeta imenso que percebemos a cada dia menor.
Tenho um amor por você maior do que por mim, minha irma querida. Troco a minha felicidade pela sua e se te puxo é porque tem um buraco na calcada que eu vi primeiro.
Calada me culpo por nao alertar o que para mim é tao nítido e para você obscuro numa ordem centesimal.
Você, um anjo de lábios rosados, olhos azuis e o cabelo de qualquer jeito, cada hora um. As bochechas grandes e macias como as minhas, dá vontade de apertar e botar para ninar. Embalar você com cancao didática, tentando te mostrar o caminho mesmo sem saber para que lado eu mesma devo seguir na encruzilhada. Parece que já estive perdida mais vezes e isso me garante seguranca para te dizer que curva virar.
Uma vontade de explicar o inexplicável; de solucionar mistérios; aprender matémática que eu nunca soube para te provar com razao incontestável. Depois pegar na sua mao macia, você sempre teve maos macias e cuidadas de creme, sair por aí para descobrir mais um canto, mais uma cidade perdida como nós ou até mais encontrada do que nós neste planeta imenso que percebemos a cada dia menor.
Tenho um amor por você maior do que por mim, minha irma querida. Troco a minha felicidade pela sua e se te puxo é porque tem um buraco na calcada que eu vi primeiro.
terça-feira, setembro 11, 2007
Onde andará...?
Peguei e li de uma tacada só. Porque para nao dizer que foi na primeira, na segunda página havia sinais de que aquilo era para mim. Além disso o moco da biblioteca liberou mais uns diazinhos depois do período de entrega previsto, outro sinal.
Voltei com ele pelo metrô. Parecia um livro sério, capa preta de couro sem nada escrito, um couro gasto. As bordas vermelhas de pano arrematavam o negro. Abrindo via-se que era uma capa falsa, só protecao. A verdadeira era colorida, estampada e feita de papel frágil como a pseudo-protagonista daquela história e de tantas outras de que gostava - sempre de seres à margem e conflituosos.
Em busca de uma outra vida, "Nao quero nada disso que vejo em volta, eu quero encontrar outra coisa", ela dizia e parecia que eu falava com o espelho.
Voltei com ele pelo metrô. Parecia um livro sério, capa preta de couro sem nada escrito, um couro gasto. As bordas vermelhas de pano arrematavam o negro. Abrindo via-se que era uma capa falsa, só protecao. A verdadeira era colorida, estampada e feita de papel frágil como a pseudo-protagonista daquela história e de tantas outras de que gostava - sempre de seres à margem e conflituosos.
Em busca de uma outra vida, "Nao quero nada disso que vejo em volta, eu quero encontrar outra coisa", ela dizia e parecia que eu falava com o espelho.
segunda-feira, setembro 03, 2007
on a bike
Descia a Kastanienalle de bicicleta ouvindo "walk down Portobello Road through the sound of reggae".
Ai meu filho, nao dava para estacionar um pouco mais para dentro e tirar o rabo do caminho?
Pânico de esmagamento entre carro e trilhos. Melhor entrar à direita e descer pela rua paralela, mais seguro e a ladeira é mais íngreme, mais gostoso.
Ai meu querido, tinha que parar no meio da rua? Demais, demais.
Ih! Aquele lugar onde a gente sentou um dia e tomou vinho até nao mais poder. No fim juntamos todas nossas moedas e deu uns três euros e cinqüenta, qualquer coisa assim. A garconete engatou num discurso desaprovador e nós parados olhando para ela balbuciando: mas nao era para dar QUANTO A GENTE QUISESSE? Acreditamos na filosofia da casa. Ela continuou esbravejando até a gente dar as costas.
Sentei num café, vou descansar para subir o morro de novo. Outro dia que reparei que meu bairro carrega o morro no nome. Prenzlauer Berg.
...
No café
Estive pensando em outras coisas, outros assuntos que têm relacao indireta com subir e descer o morro de Prenzlauer Berg. Sobre como é bom se comunicar em outras línguas, sobre como a traducao de expressoes idiomáticas soa poesia. De como a reuniao de diferentes culturas, o confrontamento com outros paradigmas é rico. Parece balela mas nao é nao.
Ai meu filho, nao dava para estacionar um pouco mais para dentro e tirar o rabo do caminho?
Pânico de esmagamento entre carro e trilhos. Melhor entrar à direita e descer pela rua paralela, mais seguro e a ladeira é mais íngreme, mais gostoso.
Ai meu querido, tinha que parar no meio da rua? Demais, demais.
Ih! Aquele lugar onde a gente sentou um dia e tomou vinho até nao mais poder. No fim juntamos todas nossas moedas e deu uns três euros e cinqüenta, qualquer coisa assim. A garconete engatou num discurso desaprovador e nós parados olhando para ela balbuciando: mas nao era para dar QUANTO A GENTE QUISESSE? Acreditamos na filosofia da casa. Ela continuou esbravejando até a gente dar as costas.
Sentei num café, vou descansar para subir o morro de novo. Outro dia que reparei que meu bairro carrega o morro no nome. Prenzlauer Berg.
...
No café
Estive pensando em outras coisas, outros assuntos que têm relacao indireta com subir e descer o morro de Prenzlauer Berg. Sobre como é bom se comunicar em outras línguas, sobre como a traducao de expressoes idiomáticas soa poesia. De como a reuniao de diferentes culturas, o confrontamento com outros paradigmas é rico. Parece balela mas nao é nao.
quarta-feira, agosto 22, 2007
Só mais uma noite
- Estava com uma vontade louca de falar contigo! Mas nao conseguia sair da cama, minha cabeca dói. E essa chuva fechando o verao me impede de levantar.
- Vixi, a noite foi tao boa assim que você nao podia nem se arrastar até o telefone?
- Ai, eu tava louca. Para falar com alguém, que bom que você me atendeu. Você nao sabe o que aconteceu ontem, cara, bom demais e surreal.
- Lá vem você me dizer que quase pegou. Já te disse que isso nao é notícia. Fatos por favor e sem elocubracoes.
- Nao, nada de quase. Mas foi tudo muito confuso. Eu só me meto em confusao. Saco.
(suspiro longo) Entao, eu saí, fui ao cinema ver um filme daquele diretor taiwanês que eu te falei, tô viciada nos filmes dele. Nao sei se é bem isso ou se eu entrei no piloto automático e nao consigo deixar de freqüentar a mostra.
- Quem é mesmo?
- Hou Hsiao Hsien. Ontem o filme só tinha comida e cigarro. Eu morrendo de fome e sem fumar há uma semana, saí dali correndo para um bar e pedi um coquetel. Para esquecer os outros vícios, sabe.
- Só tu mesmo. Foi com quem?
- Com o carinha, aquele tal Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo. É bom, filosofamos sobre a vida. Tem muitas questoes em comum que nos aflingem, a nós, imigrantes.
Ai cara, que fome, preciso comer macarrao, nao tem nem uma alface nessa casa.
- Aqui também nao, e por falar nisso, também tô de ressaca, só na coca-cola. Mas afinal, continue. Pegou o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo?
- Ih, nao! Ele perdeu a graca para mim sexualmente falando. É meio foda porque talvez pode ser que às vezes role um clima entre nós, mas eu nao estou preparada para tanta sutileza, enche o saco ter que ficar tentando adivinhar e intuindo o tempo todo. Saímos do bar e fomos ouvir música boa num outro bar que eu sempre vou. Estava um pouco preocupada porque tinha combinado de encontrar três caras de Barcelona que eu acabei de conhecer e fiquei meio assim sem saber como seria a interacao entre eles e o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo. Adoro ser a única mulher dentre homens, fico mais à vontade do que com mulheres ao meu redor.
- Eu também mas talvez porque a gente jogue no mesmo time, você sabe. Nossa, baixei um disco do Chet Baker muito bom, vou te passar, você vai gostar. É leve e já que pelo visto você tá num momento Audrey, combina.
- Manda sim! Eis que no bar nao tinha cara de Barcelona nenhum, eu já tava na terceira cerveja depois do segundo whisky, o sax tocando alto e eu pirando por um cigarro.
- Eu sabia!
- Nao resisti e fui pedir para um Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis. Na verdade eu nao tinha nem notado que ele era um ser humano com potencial, só vi ele à meia-luz enrolando um cigarro e cheguei como quem nao quer nada.
- E nao queria mesmo?
- Sim, um cigarro. Cheguei meio sem graca, eu sempre chego meio sem graca aqui, me desculpei por estar perturbando mas eu PRECISAVA de um cigarro. Ele me deu tabaco, filtro, seda e comecou a puxar papo. Conversamos tempos, falamos de filmes, da documenta, ele muito curioso perguntava da minha vida e eu respondia.
- Ai filha, você quando comeca, coitado do cara.
- Coitado nada. Sabe o que ele faz? É Sozialwissenschaftler e faz alguma coisa como Pedagogin, nao entendi direito, você sabe que eu nao me interesso por esse assunto.
- Ai sua insensível! Europeus querendo ajudar o terceiro mundo.
- É, tem muito. Ele bem que comecou com esse papo chato de ONG, dar aula para criancinhas carentes... Essa coisa toda mas logo mudamos de assunto, falei como eu achava o mundo da Ásia um outro planeta e de como eles sao pequenos, eu estava impressionada.
- E sao mesmo né? Nao é só clichê nao. E já reparou que nao tem gordo?
- É, a comida é mais saudável. Falar nisso, que fome cara. Mas bom daí a gente ficou conversando horas e o amigo dele sentado num balco desses altos de balcao do bar, olhando a paisagem da pista de danca. Ele me apresentou o amigo e quando vi estávamos os três dancando.
- E o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo?
- Num canto olhando, eu me senti um pouco mal, mas daí comprei outra cerveja, nao queria pensar em problemas. Eu sei que depois de muito papo e de falar umas coisas absurdas, a gente tava na pista de novo. Ele todo bonitinho comigo, o Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis.
- Como todo bonitinho?
- Ai nao sei, pequenas coisas. Quando a gente entrou do pátio para a pista ele ficou esperando eu me levantar para continuar andando num gesto "venha junto com a gente". Nao sei explicar, tava fofo, tava rolando um clima. Mas aqui esses climas sao diferentes, entao eu tava na minha. As músicas muito boas, iguais às do meu ipod! Só anos 60 roots. Eu pedi pro DJ Jorge Benjor.
- Jorge Benjor? O cara sabia o que era?
- Claro, eu sabia que ele tinha isso no repertório. E ele tocou. No meio do "Tunga baraúna", eu rodando minha saia e dancando com coxas entre as coxas... ai... e de repente a gente se olhando e se tocando... rolou um beijo. Daqueles exterminadores.
- Palmas, palmas. Até que enfim! Depois de quanto tempo?
- Eu nem sei mais, perdi as contas. A gente se beijou muito, se agarrou loucamente, de um jeito que saímos os dois tontos no meio da pista mesmo. A gente parava e eu me afastava e pensava, meu deus, o que é esse cara, o que foi esse beijo. E o tempo afastado nao durava nem 30 segundos, os dois nao se agüentavam e a agarracao continuava.
- Tô imaginando. Chocando os alemaes.
- Menina, você nao crê quem eu no meio de metade do agarramento avisto. O Dread-de-Fevereiro-que-Pediu-Para-Lavar-Roupa-Lá-Em-Casa-e-Nunca-Mais-Apareceu.
- Ai, todos reunidos no salao.
- É, e o mais escroto foi que eu fui pedir fogo para ele, ele estava dancando com os dreads na cara. e levantou o rosto, foi HORRÍVEL. Ele me olhou, acho que ele já tinha me visto. Eu me espantei. Falei rapidinho com ele porque nao queria que o Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis desconfiasse de nada. Você sabe, estava por alguns segundos apaixonada.
- Sua paixoes fulminantes sempre. Pensei que você tivesse aprendido.
- Aos poucos eu tô bem melhor. Sobrevivendo sem paixoes há mais de um mês. Enfim, nos agarramos muito até que eu quis ir embora, porque já era mais de quatro. Convidei ele para ir para minha casa.
_ Você é foda cara, nao consegue segurar a calcinha uma vez se quer né? Nao aprendeu que aí as coisas NAO FUNCIONAM assim?
- É, daí eu me fudi, ele falou que era cedo e ao invés de pegar meu telefone, sei lá, nao. Disse para eu aparecer no Duncker que. Eu falei que ia viajar. Ele combinou de me encontrar lá na primeira terca-feira de outubro.
- Eu já vi esse filme... foi igualzinho com o Dread-de-Fevereiro-que-Pediu-Para-Lavar-Roupa-Lá-Em-Casa-e-Nunca-Mais-Apareceu.
-Pois é! Eu lembrei tanto. Daí me deu raiva, eu falei para ele que quem sabe talvez eu apareceria, mas assim, completamente sem empolgacao. Voltei bêbada de bicicleta, coracao apertado. E, você nao sabe!
- Mais?
- Na volta para casa um carinha que tava lá no bar me olhando o tempo todo apesar de eu estar num agarramento sem vergonha nenhuma, sai do bar junto comigo. Eu pego minha bike, ele a dele e vai pedalando do meu lado, comeca a puxar papo, eu respondo, vamos conversando subindo a rua.
- Tá podendo hein fia?
- Ai, mas eu tava com o outro na minha cabeca, eu tinha acabado de subir a um pedestal e cair lá de cima, o beijo dele, ai, me dá até um frio na barriga de pensar. Imagina trepar com esse cara?
- Só na imaginacao né nêga?
- É, só. Quer merda de cultura escrota, me irrito. Porra, custava o maluco pegar meu telefone? Ele também tava morrendo de tesao que eu sei. Daí essas coisas se perdem, deixam de ser vividas porque os caras sao uns idiotas. Puta merda.
- Quantos anos ele tem?
- Sabe que eu nao faco a minima idéia? E ele também nao faz da minha idade. Achei isso curioso. Mas acredito que ele tenha uns 28, foi o que pareceu. Mas aí cheguei em casa e na esquina do meu prédio fui dar um tchau pro carinha que me acompanhou no percurso. Nao é que o maluco tenta me beijar?? Ele tá pensando que eu sou o quê? Tive vontade de gritar: VOCÊ NAO VIU QUE EU ESTAVA COM OUTRO MALUCO E COMPLETAMENTE CHEIA DE TESAO? NAO VENHA QUERER PEGAR Os RESTOS DE MIM! Mas disse apenas TCHAU E VOLTE BEM PARA CASA. Subi, deitei e dormi num instante tao breve que nao me permitiu sonhar mais com ele. E depois de pensar tanto, suguei tudo o que tinha dele dentro de mim e agora está apagado também, como tantos outros.
- Vixi, a noite foi tao boa assim que você nao podia nem se arrastar até o telefone?
- Ai, eu tava louca. Para falar com alguém, que bom que você me atendeu. Você nao sabe o que aconteceu ontem, cara, bom demais e surreal.
- Lá vem você me dizer que quase pegou. Já te disse que isso nao é notícia. Fatos por favor e sem elocubracoes.
- Nao, nada de quase. Mas foi tudo muito confuso. Eu só me meto em confusao. Saco.
(suspiro longo) Entao, eu saí, fui ao cinema ver um filme daquele diretor taiwanês que eu te falei, tô viciada nos filmes dele. Nao sei se é bem isso ou se eu entrei no piloto automático e nao consigo deixar de freqüentar a mostra.
- Quem é mesmo?
- Hou Hsiao Hsien. Ontem o filme só tinha comida e cigarro. Eu morrendo de fome e sem fumar há uma semana, saí dali correndo para um bar e pedi um coquetel. Para esquecer os outros vícios, sabe.
- Só tu mesmo. Foi com quem?
- Com o carinha, aquele tal Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo. É bom, filosofamos sobre a vida. Tem muitas questoes em comum que nos aflingem, a nós, imigrantes.
Ai cara, que fome, preciso comer macarrao, nao tem nem uma alface nessa casa.
- Aqui também nao, e por falar nisso, também tô de ressaca, só na coca-cola. Mas afinal, continue. Pegou o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo?
- Ih, nao! Ele perdeu a graca para mim sexualmente falando. É meio foda porque talvez pode ser que às vezes role um clima entre nós, mas eu nao estou preparada para tanta sutileza, enche o saco ter que ficar tentando adivinhar e intuindo o tempo todo. Saímos do bar e fomos ouvir música boa num outro bar que eu sempre vou. Estava um pouco preocupada porque tinha combinado de encontrar três caras de Barcelona que eu acabei de conhecer e fiquei meio assim sem saber como seria a interacao entre eles e o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo. Adoro ser a única mulher dentre homens, fico mais à vontade do que com mulheres ao meu redor.
- Eu também mas talvez porque a gente jogue no mesmo time, você sabe. Nossa, baixei um disco do Chet Baker muito bom, vou te passar, você vai gostar. É leve e já que pelo visto você tá num momento Audrey, combina.
- Manda sim! Eis que no bar nao tinha cara de Barcelona nenhum, eu já tava na terceira cerveja depois do segundo whisky, o sax tocando alto e eu pirando por um cigarro.
- Eu sabia!
- Nao resisti e fui pedir para um Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis. Na verdade eu nao tinha nem notado que ele era um ser humano com potencial, só vi ele à meia-luz enrolando um cigarro e cheguei como quem nao quer nada.
- E nao queria mesmo?
- Sim, um cigarro. Cheguei meio sem graca, eu sempre chego meio sem graca aqui, me desculpei por estar perturbando mas eu PRECISAVA de um cigarro. Ele me deu tabaco, filtro, seda e comecou a puxar papo. Conversamos tempos, falamos de filmes, da documenta, ele muito curioso perguntava da minha vida e eu respondia.
- Ai filha, você quando comeca, coitado do cara.
- Coitado nada. Sabe o que ele faz? É Sozialwissenschaftler e faz alguma coisa como Pedagogin, nao entendi direito, você sabe que eu nao me interesso por esse assunto.
- Ai sua insensível! Europeus querendo ajudar o terceiro mundo.
- É, tem muito. Ele bem que comecou com esse papo chato de ONG, dar aula para criancinhas carentes... Essa coisa toda mas logo mudamos de assunto, falei como eu achava o mundo da Ásia um outro planeta e de como eles sao pequenos, eu estava impressionada.
- E sao mesmo né? Nao é só clichê nao. E já reparou que nao tem gordo?
- É, a comida é mais saudável. Falar nisso, que fome cara. Mas bom daí a gente ficou conversando horas e o amigo dele sentado num balco desses altos de balcao do bar, olhando a paisagem da pista de danca. Ele me apresentou o amigo e quando vi estávamos os três dancando.
- E o Brasileiro-Doutorando-Que-Tornou-se-Um-Grande-Amigo?
- Num canto olhando, eu me senti um pouco mal, mas daí comprei outra cerveja, nao queria pensar em problemas. Eu sei que depois de muito papo e de falar umas coisas absurdas, a gente tava na pista de novo. Ele todo bonitinho comigo, o Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis.
- Como todo bonitinho?
- Ai nao sei, pequenas coisas. Quando a gente entrou do pátio para a pista ele ficou esperando eu me levantar para continuar andando num gesto "venha junto com a gente". Nao sei explicar, tava fofo, tava rolando um clima. Mas aqui esses climas sao diferentes, entao eu tava na minha. As músicas muito boas, iguais às do meu ipod! Só anos 60 roots. Eu pedi pro DJ Jorge Benjor.
- Jorge Benjor? O cara sabia o que era?
- Claro, eu sabia que ele tinha isso no repertório. E ele tocou. No meio do "Tunga baraúna", eu rodando minha saia e dancando com coxas entre as coxas... ai... e de repente a gente se olhando e se tocando... rolou um beijo. Daqueles exterminadores.
- Palmas, palmas. Até que enfim! Depois de quanto tempo?
- Eu nem sei mais, perdi as contas. A gente se beijou muito, se agarrou loucamente, de um jeito que saímos os dois tontos no meio da pista mesmo. A gente parava e eu me afastava e pensava, meu deus, o que é esse cara, o que foi esse beijo. E o tempo afastado nao durava nem 30 segundos, os dois nao se agüentavam e a agarracao continuava.
- Tô imaginando. Chocando os alemaes.
- Menina, você nao crê quem eu no meio de metade do agarramento avisto. O Dread-de-Fevereiro-que-Pediu-Para-Lavar-Roupa-Lá-Em-Casa-e-Nunca-Mais-Apareceu.
- Ai, todos reunidos no salao.
- É, e o mais escroto foi que eu fui pedir fogo para ele, ele estava dancando com os dreads na cara. e levantou o rosto, foi HORRÍVEL. Ele me olhou, acho que ele já tinha me visto. Eu me espantei. Falei rapidinho com ele porque nao queria que o Carinha-Ruivo-de-Cabelos-Enrolados-e-Olhos-Azuis desconfiasse de nada. Você sabe, estava por alguns segundos apaixonada.
- Sua paixoes fulminantes sempre. Pensei que você tivesse aprendido.
- Aos poucos eu tô bem melhor. Sobrevivendo sem paixoes há mais de um mês. Enfim, nos agarramos muito até que eu quis ir embora, porque já era mais de quatro. Convidei ele para ir para minha casa.
_ Você é foda cara, nao consegue segurar a calcinha uma vez se quer né? Nao aprendeu que aí as coisas NAO FUNCIONAM assim?
- É, daí eu me fudi, ele falou que era cedo e ao invés de pegar meu telefone, sei lá, nao. Disse para eu aparecer no Duncker que. Eu falei que ia viajar. Ele combinou de me encontrar lá na primeira terca-feira de outubro.
- Eu já vi esse filme... foi igualzinho com o Dread-de-Fevereiro-que-Pediu-Para-Lavar-Roupa-Lá-Em-Casa-e-Nunca-Mais-Apareceu.
-Pois é! Eu lembrei tanto. Daí me deu raiva, eu falei para ele que quem sabe talvez eu apareceria, mas assim, completamente sem empolgacao. Voltei bêbada de bicicleta, coracao apertado. E, você nao sabe!
- Mais?
- Na volta para casa um carinha que tava lá no bar me olhando o tempo todo apesar de eu estar num agarramento sem vergonha nenhuma, sai do bar junto comigo. Eu pego minha bike, ele a dele e vai pedalando do meu lado, comeca a puxar papo, eu respondo, vamos conversando subindo a rua.
- Tá podendo hein fia?
- Ai, mas eu tava com o outro na minha cabeca, eu tinha acabado de subir a um pedestal e cair lá de cima, o beijo dele, ai, me dá até um frio na barriga de pensar. Imagina trepar com esse cara?
- Só na imaginacao né nêga?
- É, só. Quer merda de cultura escrota, me irrito. Porra, custava o maluco pegar meu telefone? Ele também tava morrendo de tesao que eu sei. Daí essas coisas se perdem, deixam de ser vividas porque os caras sao uns idiotas. Puta merda.
- Quantos anos ele tem?
- Sabe que eu nao faco a minima idéia? E ele também nao faz da minha idade. Achei isso curioso. Mas acredito que ele tenha uns 28, foi o que pareceu. Mas aí cheguei em casa e na esquina do meu prédio fui dar um tchau pro carinha que me acompanhou no percurso. Nao é que o maluco tenta me beijar?? Ele tá pensando que eu sou o quê? Tive vontade de gritar: VOCÊ NAO VIU QUE EU ESTAVA COM OUTRO MALUCO E COMPLETAMENTE CHEIA DE TESAO? NAO VENHA QUERER PEGAR Os RESTOS DE MIM! Mas disse apenas TCHAU E VOLTE BEM PARA CASA. Subi, deitei e dormi num instante tao breve que nao me permitiu sonhar mais com ele. E depois de pensar tanto, suguei tudo o que tinha dele dentro de mim e agora está apagado também, como tantos outros.
sexta-feira, agosto 17, 2007
Como uma mulher traida
Esticou o braco para ver os dedos tremerem involuntariamente.
Procurava acalmar a respiracao ofegante e nao roer as unhas.
Sentava numa cadeira vermelha num corredor que terminava numa janela para o infinito.
Céu de um lado e fundo preto de outro. Era míope e o fim do corredor tao comprido era escuro, para ela preto mesmo, o fim.
Na barriga, contorcoes. Imaginava-se vomitando um balde inteiro ao lado da cadeira, de pé, encostada na parede feito um bêbado que tenta se equilibrar apoiando no poste.
O pé num sapato amarelo nao parava de balancar em movimentos muito rápidos que faziam seu corpo todo tremer.
Olhava a porta em frente e imaginava o que poderia se passar por trás daqueles murmúrios vindos da porta fechada atrás de si.
Tentava pensar nos seus objetivos de vida, onde gostaria de estar daqui a dez anos para ver se finalmente chegava a um resumo mental de tantos objetivos misturados e conseguia colocar para fora com clareza aquilo tudo. Mas só podia imaginar o quao bom seria se passasse e tivesse durante dois anos tranqüilidade no viver. Sabia da sua dificuldade de lidar com a palavra falada. Gostava mais do papel. De falar de si, somente informalmente, entremeando com brincadeiras.
Saiu a candidata antes de si. Foi chamada.
Entrou na sala, sete acadêmicos. Uma cadeira no centro, vazia. Sentiu suas bochechas ficando vermelhas. Sentou-se e juntou suas maos geladas como as de um defunto em frente ao peito. Respondeu que sim, havia dormido bem e sorriu tentando demonstrar calma.
Na saída, tontura, de repente o preto do final do corredor invadiu sua cabeca, teve vontade de entrar numa privada e ficar ali estirada vomitando tudo que pudesse de dentro de si. Colocou os óculos escuros, continuou caminhando e pensando que pena, teria sido tao bom. Nao era a sua missao.
Passou o resto da tarde dormindo e quando acordar vai ter dor de cabeca.
Procurava acalmar a respiracao ofegante e nao roer as unhas.
Sentava numa cadeira vermelha num corredor que terminava numa janela para o infinito.
Céu de um lado e fundo preto de outro. Era míope e o fim do corredor tao comprido era escuro, para ela preto mesmo, o fim.
Na barriga, contorcoes. Imaginava-se vomitando um balde inteiro ao lado da cadeira, de pé, encostada na parede feito um bêbado que tenta se equilibrar apoiando no poste.
O pé num sapato amarelo nao parava de balancar em movimentos muito rápidos que faziam seu corpo todo tremer.
Olhava a porta em frente e imaginava o que poderia se passar por trás daqueles murmúrios vindos da porta fechada atrás de si.
Tentava pensar nos seus objetivos de vida, onde gostaria de estar daqui a dez anos para ver se finalmente chegava a um resumo mental de tantos objetivos misturados e conseguia colocar para fora com clareza aquilo tudo. Mas só podia imaginar o quao bom seria se passasse e tivesse durante dois anos tranqüilidade no viver. Sabia da sua dificuldade de lidar com a palavra falada. Gostava mais do papel. De falar de si, somente informalmente, entremeando com brincadeiras.
Saiu a candidata antes de si. Foi chamada.
Entrou na sala, sete acadêmicos. Uma cadeira no centro, vazia. Sentiu suas bochechas ficando vermelhas. Sentou-se e juntou suas maos geladas como as de um defunto em frente ao peito. Respondeu que sim, havia dormido bem e sorriu tentando demonstrar calma.
Na saída, tontura, de repente o preto do final do corredor invadiu sua cabeca, teve vontade de entrar numa privada e ficar ali estirada vomitando tudo que pudesse de dentro de si. Colocou os óculos escuros, continuou caminhando e pensando que pena, teria sido tao bom. Nao era a sua missao.
Passou o resto da tarde dormindo e quando acordar vai ter dor de cabeca.
domingo, julho 01, 2007
segunda-feira, junho 25, 2007
terça-feira, junho 19, 2007
entre uma obra e outra
Saudades de cuidar e ser cuidada.
Vontade de cuidar e ser cuidada de novo.
E que me chamem para descansar as pernas e nao me deixem escrever de pé.
:::
O verde tao verde do gramado me convidava para sentar com ele. Geralmente é assim, eu finjo que nao estou sozinha para nao enlouquecer. (Mais uma primavera passa.)
Nao páro de pensar em você e agora resolvi contar ou viver mais essa decepcao profunda. Sinto-me absolutamente preparada para sofrer. Dá até uma certa alegria vinda do alívio da certeza de você nao me querer.
(ouvindo Edith Piáf demais)
Vontade de cuidar e ser cuidada de novo.
E que me chamem para descansar as pernas e nao me deixem escrever de pé.
:::
O verde tao verde do gramado me convidava para sentar com ele. Geralmente é assim, eu finjo que nao estou sozinha para nao enlouquecer. (Mais uma primavera passa.)
Nao páro de pensar em você e agora resolvi contar ou viver mais essa decepcao profunda. Sinto-me absolutamente preparada para sofrer. Dá até uma certa alegria vinda do alívio da certeza de você nao me querer.
(ouvindo Edith Piáf demais)
quinta-feira, junho 14, 2007
direto da sala de imprensa (em 5 minutos)
Onze e meia da manha o encontro de duas mochileiras que se olham e enxergam o coração uma da outra independente da cultura. Viajantes se reconhecendo.
O acaso programado do encontro foi em frente ao „Morena Bar“, perto da estacao Görlitzer Bahnhof. Ali as duas esperavam inquietas a carona que as levaria ao destino planejado: Kassel no estado de Hessen.
Dois minutos de conversa, uma descobre que a outra mora na cidade-destino. A uma, eu, indo a trabalho cobrir a Documenta – evento que ocorre na pacata cidade de prédios pontiagudos a cada cinco anos desde 1955.
Onde você vai ficar? Pois é, eis uma questão, os hotéis estao todos lotados. Ist ja Krass, echt? In so einer lengweiligen Stadt? Ja, ja. Ich habe eine Wohnung gemietet aber außerhalb, na ja...
Conversa vai, conversa vem. Nao muita. Em um minuto inesperadamente espontâneo, a alemã pegava meu telefone e ligava para o irmão, morador de uma república que teria um quarto livre. Tudo acertado em menos de cinco minutos e eu tinha uma casa para ficar. Ao telefone ela disse que eu era uma junge Frau que ela acabara de conhecer mas que parecia extremamente confiável.
Pelas tantas, já dentro do carro guiado por Laurenz, o motorista que contactamos pelo site de caronas e quem acabamos as duas conhecendo e gostando, descobrimos que tínhamos o mesmo nome: Ana. O dela certamente com dois enes; diferença cultural pouca. Pelas tantas e meia descobrimos que o Ana dela era Anna Louise. Era coincidência demais. Nao intento entrar pela auto-ajuda porque tenho vocação assumida para um drama. Porém a mim parece inegável essa energia circulante do universo que pode ser Deus ou apenas a tal da forca superior que manda uns bons fluidos necessários depois do período de paúra. Anna Louise – minha versão germânica – me arrumou lugar para ficar numa república de quatro. Achei que encontraria um muquifo. Que nada! O melhor prédio de Kassel visto até agora. No topo de uma ladeira, vista para as cúpulas dos prédios reconstruídos depois da segunda guerra. De graça. Depois dizem que alemão é frio. É frio mas dá carona para qualquer um porque todo mundo é honesto e ninguém tem medo de ser assaltado. É frio mas dá um canto para qualquer um dormir. Houve muitas sintonias – inclusive a data de aniversário – mas eu continuo sendo uma estranha para minha xará versão kasseliana.
Retiro tudo o que disse – ou que pensei – sobre a falta de solidariedade no primeiro mundo, é uma solidariedade talvez maior ainda mas institucionalizada (por sites de carona, SMSs).
Depois de tudo isso esculturas belíssimas, vídeo-projeções surpreendentes, pinturas impressionantes, performances de cair o queixo. Seguidos de coquetel liberado para imprensa com conversinhas com o povo local – muito mais aberto do que o berlinense. Senti-me mais próxima a todos, coisa de província. Faltou pouco pra ser o Rio.
Mais sobre a Documenta em si no próximo post.
O acaso programado do encontro foi em frente ao „Morena Bar“, perto da estacao Görlitzer Bahnhof. Ali as duas esperavam inquietas a carona que as levaria ao destino planejado: Kassel no estado de Hessen.
Dois minutos de conversa, uma descobre que a outra mora na cidade-destino. A uma, eu, indo a trabalho cobrir a Documenta – evento que ocorre na pacata cidade de prédios pontiagudos a cada cinco anos desde 1955.
Onde você vai ficar? Pois é, eis uma questão, os hotéis estao todos lotados. Ist ja Krass, echt? In so einer lengweiligen Stadt? Ja, ja. Ich habe eine Wohnung gemietet aber außerhalb, na ja...
Conversa vai, conversa vem. Nao muita. Em um minuto inesperadamente espontâneo, a alemã pegava meu telefone e ligava para o irmão, morador de uma república que teria um quarto livre. Tudo acertado em menos de cinco minutos e eu tinha uma casa para ficar. Ao telefone ela disse que eu era uma junge Frau que ela acabara de conhecer mas que parecia extremamente confiável.
Pelas tantas, já dentro do carro guiado por Laurenz, o motorista que contactamos pelo site de caronas e quem acabamos as duas conhecendo e gostando, descobrimos que tínhamos o mesmo nome: Ana. O dela certamente com dois enes; diferença cultural pouca. Pelas tantas e meia descobrimos que o Ana dela era Anna Louise. Era coincidência demais. Nao intento entrar pela auto-ajuda porque tenho vocação assumida para um drama. Porém a mim parece inegável essa energia circulante do universo que pode ser Deus ou apenas a tal da forca superior que manda uns bons fluidos necessários depois do período de paúra. Anna Louise – minha versão germânica – me arrumou lugar para ficar numa república de quatro. Achei que encontraria um muquifo. Que nada! O melhor prédio de Kassel visto até agora. No topo de uma ladeira, vista para as cúpulas dos prédios reconstruídos depois da segunda guerra. De graça. Depois dizem que alemão é frio. É frio mas dá carona para qualquer um porque todo mundo é honesto e ninguém tem medo de ser assaltado. É frio mas dá um canto para qualquer um dormir. Houve muitas sintonias – inclusive a data de aniversário – mas eu continuo sendo uma estranha para minha xará versão kasseliana.
Retiro tudo o que disse – ou que pensei – sobre a falta de solidariedade no primeiro mundo, é uma solidariedade talvez maior ainda mas institucionalizada (por sites de carona, SMSs).
Depois de tudo isso esculturas belíssimas, vídeo-projeções surpreendentes, pinturas impressionantes, performances de cair o queixo. Seguidos de coquetel liberado para imprensa com conversinhas com o povo local – muito mais aberto do que o berlinense. Senti-me mais próxima a todos, coisa de província. Faltou pouco pra ser o Rio.
Mais sobre a Documenta em si no próximo post.
domingo, junho 03, 2007
um balde de café
Eu ia dizer, mas ele disse bonito e antes de mim. Parece até que ele conversava comigo.
Sossega, coração! Não desesperes!
Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
Fernando Pessoa, 2-8-1933.
Sossega, coração! Não desesperes!
Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
Fernando Pessoa, 2-8-1933.
quinta-feira, maio 24, 2007
O homem quase nu
Fazia um calor de 30 graus que normalmente consideraria médio, mas para quem passara um longo período de graus negativos, era quente à beca. O sol entrando pela janela ainda sem cortina do apartamento novo despertou-me dez minutos antes do despertador. Querendo aproveitar ao máximo o tempo disponível para o sono - cada vez mais escasso - estava enrolando para levantar quando a campainha tocou. Em princípio pensei que fosse minha room-mate que nao dormira em casa. Levantei quase puta por ter de enfim estar de pé e deixar aqueles preciosos a essa altura oito minutos de sono.
Arrastei-me até a porta com minha camisa do Mickey cinza que meu pai usava quando eu era pequena e que mais tarde roubei do armário dele. Por algum motivo a camiseta continuava entre minhas roupas e eu a usava sempre pra dormir. Sem sutia e trajando ainda uma calca larga de flanela azul, cabelos arrepiados e remelas nos olhos, abri a porta pronta para xingar a pobre da minha companheira de apartamento.
Era o vizinho de cima. Oito e vinte da manha. Hallo! Susto.
Sören em seu short de pijamas e chinelos que poderiam ser havaianas me olha remelenta, se desculpa dizendo que saiu para comprar pao e quando voltou a porta tinha batido, "meu deus, isso nunca aconteceu comigo, desculpe ter te acordado, mas eu preciso ligar para um chaveiro, algo assim. Já procurei o zelador do prédio para saber se ele tem uma chave reserva, mas ele sumiu e eu tô aqui meio sem saber o que fazer."
"Imagina, Sören, entra aí, toma um café. Listas amarelas nao tenho nao, mas você pode usar a internet". A porta do quarto se abre, um sutia jogado no chao recepciona a visita. Par de jeans ao avesso em cima da cadeira da escrivaninha para onde ele se encaminhou. No cinzeiro da cabeceira, a ponta do beck da noite anterior. "Liga nao Sören, fique à vontade."
Em seu shortinho samba-cancao, ele procura o número de um chaveiro no google. Eu me tranquei no banheiro para pelo menos lavar o rosto e colocar uma blusa com sutia antes de encarar a pia de louca a fazer o tal do café.
Ouvimos passos na escada e ele saiu apressado para ver quem era. Era ele, o zelador. Senhor zelador quase ganhou um beijo na boca de um magrelo sem camisa quando disse que tinha uma chave reserva de cada apartamento. Economia de 60 euros e de constrangimentos outros.
Agora estou procurando O homem Nu do Sabino em alemao para presentear o vizinho. Será possível?
Arrastei-me até a porta com minha camisa do Mickey cinza que meu pai usava quando eu era pequena e que mais tarde roubei do armário dele. Por algum motivo a camiseta continuava entre minhas roupas e eu a usava sempre pra dormir. Sem sutia e trajando ainda uma calca larga de flanela azul, cabelos arrepiados e remelas nos olhos, abri a porta pronta para xingar a pobre da minha companheira de apartamento.
Era o vizinho de cima. Oito e vinte da manha. Hallo! Susto.
Sören em seu short de pijamas e chinelos que poderiam ser havaianas me olha remelenta, se desculpa dizendo que saiu para comprar pao e quando voltou a porta tinha batido, "meu deus, isso nunca aconteceu comigo, desculpe ter te acordado, mas eu preciso ligar para um chaveiro, algo assim. Já procurei o zelador do prédio para saber se ele tem uma chave reserva, mas ele sumiu e eu tô aqui meio sem saber o que fazer."
"Imagina, Sören, entra aí, toma um café. Listas amarelas nao tenho nao, mas você pode usar a internet". A porta do quarto se abre, um sutia jogado no chao recepciona a visita. Par de jeans ao avesso em cima da cadeira da escrivaninha para onde ele se encaminhou. No cinzeiro da cabeceira, a ponta do beck da noite anterior. "Liga nao Sören, fique à vontade."
Em seu shortinho samba-cancao, ele procura o número de um chaveiro no google. Eu me tranquei no banheiro para pelo menos lavar o rosto e colocar uma blusa com sutia antes de encarar a pia de louca a fazer o tal do café.
Ouvimos passos na escada e ele saiu apressado para ver quem era. Era ele, o zelador. Senhor zelador quase ganhou um beijo na boca de um magrelo sem camisa quando disse que tinha uma chave reserva de cada apartamento. Economia de 60 euros e de constrangimentos outros.
Agora estou procurando O homem Nu do Sabino em alemao para presentear o vizinho. Será possível?
terça-feira, maio 15, 2007
Encontros
Um pouco do fim de semana no blogue da Cecília Giannetti que está deixando Berlim depois de um mês aqui em missao.
segunda-feira, maio 14, 2007
Por enquanto quieta
Distraída pra morte, eu estava sim. Olhava estrelas em ambiente fechado. Você falava, eu mantinha o olhar fixo num ponto qualquer e ficava desconcertada quando percebia que sua frase acabara e que eu nada ouvira. O pior era quando eu começava a falar e de repente me perdia entre as minhas próprias palavras atenta à conversa da mesa ao lado. Era tanto tempo de enclausuramento deixando a vida de lado que num encontro desses nao sabia como me comportar. Voltei pra casa com um vazio no peito, me sentindo superficial e provinciana em contraponto ao meu querer ser cidadã do mundo e colorida.
Acordei receosa dos momentos de falar sem fim que também houvera na noite anterior, como se todas as falas economizadas na solidão do quarto tivessem resolvido cair na pista. Desacostumadas, escorregavam e iam por caminhos conhecidos ao invés de arriscarem novas paisagens.
Nao queria mais aquelas palavras, queria outras. Sabia que surgiriam, renovavam-se à medida em que o tempo passava. Pareciam andar na direção contraria a ele. Quanto mais tempo num lugar, palavras novas nascidas da estabilidade. Era só uma questão de paciência.
Acordei receosa dos momentos de falar sem fim que também houvera na noite anterior, como se todas as falas economizadas na solidão do quarto tivessem resolvido cair na pista. Desacostumadas, escorregavam e iam por caminhos conhecidos ao invés de arriscarem novas paisagens.
Nao queria mais aquelas palavras, queria outras. Sabia que surgiriam, renovavam-se à medida em que o tempo passava. Pareciam andar na direção contraria a ele. Quanto mais tempo num lugar, palavras novas nascidas da estabilidade. Era só uma questão de paciência.
sábado, abril 28, 2007
De mudança
Acordei pensando em como o dono de um restaurantezinho qualquer dentre os milhares da cidade podia ter um Mercedes-Benz zero quilômetro. E também em como os árabes são simpáticos e esquisitos. Veja que não param de me dizer que querem me ver dançar que nem as brasileiras. Tento explicar que não sou assim tão típica. Ao que eles rebatem que não é possível, só oito meses de Alemanha e já quer dizer que é alemã? Não há por que me esforçar em explicar que não é nada disso, apenas não rola de sair sambando por aí. Deixa estar.
O céu azul e sol me convidam para sair, quase me obrigam. Da varanda olho as chinelas, blusas de alça, os vestidos e as folhas das árvores verdinhas, algumas com flores, nem sinal de galho. Delícia seria lagartixar num café mas a minha volta é dominada por caixas de papelão e um sem número de quinquilharias alfinetando a mente. Como pude acumular tanta coisa em tão pouco tempo? Pensar em levar metade que seja pro Brasil está fora de cogitação. Tento aceitar a vida nômade que acho que vai ser a minha, mas às vezes é difícil se livrar de coisas que julguei por um bom tempo de tanto valor. Livros, levo todos. Revistas ficam. Justo elas que me serviram de bússola quando estava perdida numa cidade nova. Elas ficam. Roupas, levo todas também, há que se dar um jeito, cansei de me desfazer. Só de lembrar da calca jeans novinha que me custou os olhos da cara e simplesmente dei para uma espanhola gente fina nas andanças por aí, arrepio. Nunca mais encontrei uma calca jeans que eu amasse tanto. Daí criei essa aversão a largar coisas, mas passa – não tem outro jeito. Nas prateleiras, nos manequins, só se vêem skinnys. Eu nao gosto de skinnys. Nem de sutiã com enchimento e arame. Não que eu nutra qualquer orgulho disso, mas não tenho perna fina e nem a menor vontade de ter peitão, o que dificulta muito. Calcinha então, esquece, mamãe compra em Ipanema e manda. Não me julgo nem um pouco mimada e tenho essas frescuras, imagino como as meninas mal-acostumadas fazem em terra estrangeira.
A mudança em questão parece posta no destino como um tira-gosto pra volta à terra mãe. Na verdade só mudo de quarteirão, ganho uma banheira e uma varanda maior. O resto continua quase igual, exceto pela alegria extra de juntar mais quinquilharias para encher o chão de tábua corrida. Eu num mercado de pulgas por essas épocas sou que nem pinto no lixo. Os turcos que vendem panelas quando me vêem saem até correndo, lá vem a moça chata que gosta de pedir desconto.
Volto a pensar nos árabes. Tantos imigrantes que fico confusa. Os adolescentes alemães adoram fumar narguilê nos bares deles. Só andam em bando, como em qualquer lugar do mundo. Reclamam que o fumo não está bom como se fossem os maiores especialistas no assunto, riem alto e só pedem uma cerveja. Como qualquer indivíduo na Germânia, são pão duros.
As caixas ainda me olham reprovativamente, invento mil afazeres para não encaixotar. Mistura de preguiça e sensação de perda de tempo que me dá arrumar tudo para depois desarrumar. É hora de encará-las.
O céu azul e sol me convidam para sair, quase me obrigam. Da varanda olho as chinelas, blusas de alça, os vestidos e as folhas das árvores verdinhas, algumas com flores, nem sinal de galho. Delícia seria lagartixar num café mas a minha volta é dominada por caixas de papelão e um sem número de quinquilharias alfinetando a mente. Como pude acumular tanta coisa em tão pouco tempo? Pensar em levar metade que seja pro Brasil está fora de cogitação. Tento aceitar a vida nômade que acho que vai ser a minha, mas às vezes é difícil se livrar de coisas que julguei por um bom tempo de tanto valor. Livros, levo todos. Revistas ficam. Justo elas que me serviram de bússola quando estava perdida numa cidade nova. Elas ficam. Roupas, levo todas também, há que se dar um jeito, cansei de me desfazer. Só de lembrar da calca jeans novinha que me custou os olhos da cara e simplesmente dei para uma espanhola gente fina nas andanças por aí, arrepio. Nunca mais encontrei uma calca jeans que eu amasse tanto. Daí criei essa aversão a largar coisas, mas passa – não tem outro jeito. Nas prateleiras, nos manequins, só se vêem skinnys. Eu nao gosto de skinnys. Nem de sutiã com enchimento e arame. Não que eu nutra qualquer orgulho disso, mas não tenho perna fina e nem a menor vontade de ter peitão, o que dificulta muito. Calcinha então, esquece, mamãe compra em Ipanema e manda. Não me julgo nem um pouco mimada e tenho essas frescuras, imagino como as meninas mal-acostumadas fazem em terra estrangeira.
A mudança em questão parece posta no destino como um tira-gosto pra volta à terra mãe. Na verdade só mudo de quarteirão, ganho uma banheira e uma varanda maior. O resto continua quase igual, exceto pela alegria extra de juntar mais quinquilharias para encher o chão de tábua corrida. Eu num mercado de pulgas por essas épocas sou que nem pinto no lixo. Os turcos que vendem panelas quando me vêem saem até correndo, lá vem a moça chata que gosta de pedir desconto.
Volto a pensar nos árabes. Tantos imigrantes que fico confusa. Os adolescentes alemães adoram fumar narguilê nos bares deles. Só andam em bando, como em qualquer lugar do mundo. Reclamam que o fumo não está bom como se fossem os maiores especialistas no assunto, riem alto e só pedem uma cerveja. Como qualquer indivíduo na Germânia, são pão duros.
As caixas ainda me olham reprovativamente, invento mil afazeres para não encaixotar. Mistura de preguiça e sensação de perda de tempo que me dá arrumar tudo para depois desarrumar. É hora de encará-las.
sábado, abril 21, 2007
E Gol? *
A bola no meio do campo e ninguém chuta. Uns goles como empurraozinho, ela se aproxima da linha branca riscada no verde do gramado. Equilibra-se em cima dela sem cair. Até que ele ouve o apito, chuta a bola e inicia-se o jogo. Corre para o ataque, ela fica na defensiva, escorrega e mesmo na zaga resolve cavar seu próprio gol.
Dribles, passadas de bolas, baloezinhos, bicicletas na trave, no fim, empate.
Os preparativos para a próxima partida sao intensos, os jogadores querem revanche.
Ansiosos, eles demonstram calma ao adversário.
A bola está no campo alheio, deixa que é a vez dele chutar.
Já é fim do primeiro tempo, os jogadores cansados e nervosos, nao sabem o que fazer para terminar bem a partida.
* homenagem às metáforas futebolísticas de Carolina Salomao
Dribles, passadas de bolas, baloezinhos, bicicletas na trave, no fim, empate.
Os preparativos para a próxima partida sao intensos, os jogadores querem revanche.
Ansiosos, eles demonstram calma ao adversário.
A bola está no campo alheio, deixa que é a vez dele chutar.
Já é fim do primeiro tempo, os jogadores cansados e nervosos, nao sabem o que fazer para terminar bem a partida.
* homenagem às metáforas futebolísticas de Carolina Salomao
domingo, abril 15, 2007
viva o sol
Colo vermelho, sensacao de ardência no rosto, dedinhos dos pés à mostra, canelas ao ar livre, canga, grama, "she is beautiful" com céu azul de fundo, bicicleta holländer limpa e calibrada com gosto, lenco e óculos escuros novos, Berliner Pilsner a 1,50 gelada!, panelas coloridas ao preco que se quiser pagar, saudacoes rubro-negras ao gringo de havaianas, regata do Flamengo e canga do senhor do Bonfim, churrasco aqui, churrasco ali, fila para ir ao banheiro, falacao num tom mais alto, perrengue para achar um poste livre para estacionar a bike, suco de laranja "frisch gepresst", albaneses vendendo cadeados a preco de banana, listras verticais combinadas a listras horizontais de preferência de cores diferentes, cortes de cabelo assimétricos, pintura do muro renovada, cachorros soltos, criancas soltas, o verao chegou no Mauer Park. É possível calor ao norte da linha do Equador!
quarta-feira, abril 04, 2007
quando as coisas ganharam vida
As bolsas da Taschen, as mochilas da Bree, os sapatinhos de boneca coloridos acordaram revoltos a provar o que sao: maus. Malvadíssimos, atacam e fazem da moca trapo caído a se arrastar como alguém que em vida é obrigado a encarar seus amigos se transformarem em inimigos.
A moca nao era de grandes sonhos, pensava no pao - que nao precisava ter gergelim ou ser integral - de amanha e em sair para falar umas besteiras com cerveja. Nao era especial, mas nao queria o mal de ninguém, queria só passear. Até ser atacada pelas coisas que imaginava sem vida.
Agarraram-na pelo pescoco, pela cintura, amarraram seus tornozelos e a deixaram parada, imóvel, esquecida no tempo e espaco a olhar o nada com uma única fresta de luz que entrava de uma só janela do porao vazio.
Ficou por anos naquela mesma posicao. Quando a encontraram e reportaram o seqüestro na TV nao tinha mais jeito, ela nao servia nem para as palavras cruzadas mais. Parada em frente à TV nao conseguia acompanhar a rápida sucessao de imagens que formavam a novela, confundia os personagens. Conseqüências do ataque.
A moca nao era de grandes sonhos, pensava no pao - que nao precisava ter gergelim ou ser integral - de amanha e em sair para falar umas besteiras com cerveja. Nao era especial, mas nao queria o mal de ninguém, queria só passear. Até ser atacada pelas coisas que imaginava sem vida.
Agarraram-na pelo pescoco, pela cintura, amarraram seus tornozelos e a deixaram parada, imóvel, esquecida no tempo e espaco a olhar o nada com uma única fresta de luz que entrava de uma só janela do porao vazio.
Ficou por anos naquela mesma posicao. Quando a encontraram e reportaram o seqüestro na TV nao tinha mais jeito, ela nao servia nem para as palavras cruzadas mais. Parada em frente à TV nao conseguia acompanhar a rápida sucessao de imagens que formavam a novela, confundia os personagens. Conseqüências do ataque.
segunda-feira, março 19, 2007
Resmungos e dicas
Eu já ia escrever sobre a felicidade que é ver alguns raios de sol sossegarem na esquina enquanto criancinhas animadas tomam sorvetes verdes, mas eis que hoje bateu uma febrinha, estou com duas meias, três casacos, aquecedor no 4, pijama de flanela e uma vontade enorme de reclamar do frio porque é muito pior ter febre no frio.
...
Apesar da raivinha recente da apple causada pela enorme quantidade de plug-ins obscuros que tenho que instalar a cada surgimento de uma nova extensao de arquivo e também pelos serial numbers infernais de se acharem para o CS3, vou comprar um ipod colorido e fingir que sou feliz por aí.
...
Tem-se dito que dar para desconhecidos depois de meio Red Label causa pulo súbito e assustado atrás do lap top em cima da escrivaninha no despertar. E que é melhor ter porta que fecha pelo lado de fora sem precisar da chave, macaneta das antigas, que gira. Preescreveram-se essas dicas.
...
...
Apesar da raivinha recente da apple causada pela enorme quantidade de plug-ins obscuros que tenho que instalar a cada surgimento de uma nova extensao de arquivo e também pelos serial numbers infernais de se acharem para o CS3, vou comprar um ipod colorido e fingir que sou feliz por aí.
...
Tem-se dito que dar para desconhecidos depois de meio Red Label causa pulo súbito e assustado atrás do lap top em cima da escrivaninha no despertar. E que é melhor ter porta que fecha pelo lado de fora sem precisar da chave, macaneta das antigas, que gira. Preescreveram-se essas dicas.
...
quinta-feira, março 01, 2007
mais uma da alice
Alice olhava as frestas de sol que apareciam e voltavam a sumir. Ao raiar de uma pequena iluminação que fosse, fixava o olhar naquela luz. Deixava bater-lhe nas vistas tentando buscar alegria em meio àquela mistura de tons de cinza, preto, marrom, bege que correm a cidade. O tempo lá fora da janela do trem, tudo passando e ela ali, nervosa também porque estava com o tíquete errado bem no começo do mês e os fiscais bateriam a qualquer momento, ela pressentia e se daria mal mesmo com todas as desculpas elaboradas na cabeça. Abria um livro para distrair, mas nao conseguia se concentrar, a nuvem negra a rodeava. Por causa dos tais dos fiscais ou sabe-se lá por quê. Ela persistia em busca da saída. Nome mais adequado com que batizaram essa menina que vivia a procurar caminhos mágicos que os espelhos nao ofereciam. Ah, por que nao ofereciam? As lágrimas são difíceis de se conter; ela encostava as mãos geladas do frio nas bochechas quando sentia que a temperatura do rosto ia aumentando. Os olhos começavam a encher de água, ela esboçava um sorriso, último artifício para espantar o choro. Chega uma hora que o corpo precisa pôr para fora todas aquelas dores, a sucessão de decepções. Nao adianta fugir porque nao tem para onde. O corpo fala pela mente, desconcertada, cansada. Apesar do esforço da menina Alice, o debulho, ali mesmo, dentro do trem, nao esperou nem a estação certa para cair. O jeito é saltar, respirar ar gelado, ela gosta de ar gelado. Anda, anda, mas acha desconfortável passear de olhos tão vermelhos e molhados. Vendem de tudo, mas um buraco, o que mais queria, nada. Desejava veemente seu travesseiro, mais que tudo. Tentava pensar em coisas bonitas, mas nao havia saída. Entrou na cabine telefônica. Discou o 0800, quem sabe alcançava alguém em casa, é bom falar com quem se tem intimidade. Depois do alô, o arrependimento. Por que perturbar as pessoas do outro lado do mundo com o seu desespero que nem causa concreta tem?
Nesse mundo quem nao tem objetivo concreto nao é compreendido. Objetivo subjetivo é visto como loucura. Por que morar em Berlim? Você tem que mandar dinheiro para a família? Nao, nao, nada disso, é que... e as lágrimas escorrem, pulam bem de manhã! Como explicar o que faz tão longe? Seria ridículo falar para assistente social que sai-se também em busca de experiências. Nem ela poderia explicar como alguém opta por sofrer, ela mesma nao esperava que atrelada a novas experiências viriam também muitos sentimentos fortes que ficam perdidos, correndo no sangue, subindo e descendo porque o coração nao sabe bem o que fazer com eles. Soubesse dessas emoções todas talvez... Talvez nada porque quando eles passam, viram ótimos sentimentos. È assim que se constituem as experiências, conclui. Ai, mas nao tinha jeitinho melhor? Tudo culpa da Narizinho que quando Alice tinha dez anos lhe contou que havia um reino no fundo do mar maravilhoso, onde tinha um caracol gente finíssima, com tantas histórias, valia a pena conhecê-lo. Se Narizinho conseguia fugir para volta e meia encontrar seu amigo, que beleza!, ela também podia. Nao só esse reino era alcancável, muitos outros também, era só tomar o tal do pó de pirlimpimpim. Alice queria esse pó agora, o coelho sumiu e levou seu chá! Como achá-lo para conhecer novo reino?
O coelho sumiu porque queria ensinar a Alice que nesse reino esquisito é bom estar concentrado no mais alto grau, nada de perder tempo em tardes de chá e bate-papo com ele.
Deixou Alice a ver bicicletas até que ela decida escolher uma para ela e saia a pedalar por aí sem errar o caminho. Prometeu aparecer qualquer dia.
Nesse mundo quem nao tem objetivo concreto nao é compreendido. Objetivo subjetivo é visto como loucura. Por que morar em Berlim? Você tem que mandar dinheiro para a família? Nao, nao, nada disso, é que... e as lágrimas escorrem, pulam bem de manhã! Como explicar o que faz tão longe? Seria ridículo falar para assistente social que sai-se também em busca de experiências. Nem ela poderia explicar como alguém opta por sofrer, ela mesma nao esperava que atrelada a novas experiências viriam também muitos sentimentos fortes que ficam perdidos, correndo no sangue, subindo e descendo porque o coração nao sabe bem o que fazer com eles. Soubesse dessas emoções todas talvez... Talvez nada porque quando eles passam, viram ótimos sentimentos. È assim que se constituem as experiências, conclui. Ai, mas nao tinha jeitinho melhor? Tudo culpa da Narizinho que quando Alice tinha dez anos lhe contou que havia um reino no fundo do mar maravilhoso, onde tinha um caracol gente finíssima, com tantas histórias, valia a pena conhecê-lo. Se Narizinho conseguia fugir para volta e meia encontrar seu amigo, que beleza!, ela também podia. Nao só esse reino era alcancável, muitos outros também, era só tomar o tal do pó de pirlimpimpim. Alice queria esse pó agora, o coelho sumiu e levou seu chá! Como achá-lo para conhecer novo reino?
O coelho sumiu porque queria ensinar a Alice que nesse reino esquisito é bom estar concentrado no mais alto grau, nada de perder tempo em tardes de chá e bate-papo com ele.
Deixou Alice a ver bicicletas até que ela decida escolher uma para ela e saia a pedalar por aí sem errar o caminho. Prometeu aparecer qualquer dia.
terça-feira, fevereiro 27, 2007
da sexualidade ultrapassada
Neste fim de semana, além da orgia gastronômica – até Apfle Strudel cozinhamos - fomos ao centro gay do mundo. Berlim deve ser uma das cidades mais gays do momento. Assim dizem os lonely planets e as minhas andanças por aí. Tinha uma festa. Dizia-se que da Berlinale. Era no Tempelhof, o aeroporto. A locação me atraiu, festa da Berlinale no aeroporto soava a muitos cineastas interessantíssimos do mundo todo, música boa, diversão garantida. Compramos uma vodka, misturamos com suco de limão e fingimos tomar caipirinha.
Na procura gelada pela festa, encontramos um policial que aqui são seres extremamente confiáveis. Moco, você sabe onde é a festa? O sujeito em seu casaco verde musgo, POLIZEI estampado nas costas, resolve nos guiar até o local. Simpático, ele explica que estava na pausa de trabalho.
- Vocês são de onde?
- Adivinha. (Adoro fazer esse suspense porque é divertidíssimo prepará-los para o espanto.)
- Espanha?
- Nao, beeemm mais longe. Brasil.
- Nossa! Mas o que vocês estão fazendo aqui? (as perguntas sempre são originais assim!)
- Ah, um monte de coisa.
...
- Você é vegetariana?
- Sou, por quê?
- Podemos marcar uma ida a um restaurante ótimo que eu conheço, o que você acha? Ah, também vou escoltar uma ida a um festival de cinema enorme na Espanha em maio, numa limousine, você quer ir comigo?
- Mas é claro! (ai, bêbado se anima com umas coisas!...)
A primeira furada da noite: cantada de policial. Pelo menos ele foi malandrinho e nos fez entrar pela porta da saída, nao pagamos um centavo, thank a pelo menos isso God! Lá dentro, festa lotada de gays atrás de drags, nas carrapetas: organic electro (sem agrotóxico!!!) com um hint of trip hop, experimental edge and humour. Nada mal, mas só com A LOT OF humour para bancar de hetero no Teddy QUEER film award.
Na procura gelada pela festa, encontramos um policial que aqui são seres extremamente confiáveis. Moco, você sabe onde é a festa? O sujeito em seu casaco verde musgo, POLIZEI estampado nas costas, resolve nos guiar até o local. Simpático, ele explica que estava na pausa de trabalho.
- Vocês são de onde?
- Adivinha. (Adoro fazer esse suspense porque é divertidíssimo prepará-los para o espanto.)
- Espanha?
- Nao, beeemm mais longe. Brasil.
- Nossa! Mas o que vocês estão fazendo aqui? (as perguntas sempre são originais assim!)
- Ah, um monte de coisa.
...
- Você é vegetariana?
- Sou, por quê?
- Podemos marcar uma ida a um restaurante ótimo que eu conheço, o que você acha? Ah, também vou escoltar uma ida a um festival de cinema enorme na Espanha em maio, numa limousine, você quer ir comigo?
- Mas é claro! (ai, bêbado se anima com umas coisas!...)
A primeira furada da noite: cantada de policial. Pelo menos ele foi malandrinho e nos fez entrar pela porta da saída, nao pagamos um centavo, thank a pelo menos isso God! Lá dentro, festa lotada de gays atrás de drags, nas carrapetas: organic electro (sem agrotóxico!!!) com um hint of trip hop, experimental edge and humour. Nada mal, mas só com A LOT OF humour para bancar de hetero no Teddy QUEER film award.
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
Canções do exílio
Nada como uma visita a uma amiga para renovar a trilha sonora da vida. O manjado „Transa“, álbum de 1972 do Caetano veio parar aqui depois da passagem pela casa da Jô (J com som de i) em Köln. E nao saiu mais do cd-player da cozinha, onde dormia o „Universo ao meu Redor“ da Marisa Monte.
Este criou asas e foi correr o mundo. A Jô veio comigo pra Berlim porque até o fim de semana acontecia a Transmediale, um evento de arte tecnológica. Fizemos o percurso de carona. O motorista era estudante de teologia, tinha um piercing nas sombrancelhas, muito simpático. O cara do banco do carona era esquisito. Nao falava muito e me pareceu de lugar nenhum, mulato com cabelo e barba pichains mas naturalmente loiros. Um jeito mais alemão do que do alemão futuro pastor. Tanto faz também o quão intrigantes eram aquelas criaturas. O fato é que nao havia UM único cd no carro. Com a case renovada em mãos, espertamente resolvi aplicar música brasileira neles.
E o motorista se apaixonou pelo cd da Marisa Monte. Apresentei Céu, “Qualquer Coisa” do Caetano, Chico entre outros. Gamou no “Universo ao meu redor”. Comovida, dei o cd para ele, afinal o grande trabalho que terei, será o de queimar outro para mim. Um viva à pirataria.
Este criou asas e foi correr o mundo. A Jô veio comigo pra Berlim porque até o fim de semana acontecia a Transmediale, um evento de arte tecnológica. Fizemos o percurso de carona. O motorista era estudante de teologia, tinha um piercing nas sombrancelhas, muito simpático. O cara do banco do carona era esquisito. Nao falava muito e me pareceu de lugar nenhum, mulato com cabelo e barba pichains mas naturalmente loiros. Um jeito mais alemão do que do alemão futuro pastor. Tanto faz também o quão intrigantes eram aquelas criaturas. O fato é que nao havia UM único cd no carro. Com a case renovada em mãos, espertamente resolvi aplicar música brasileira neles.
E o motorista se apaixonou pelo cd da Marisa Monte. Apresentei Céu, “Qualquer Coisa” do Caetano, Chico entre outros. Gamou no “Universo ao meu redor”. Comovida, dei o cd para ele, afinal o grande trabalho que terei, será o de queimar outro para mim. Um viva à pirataria.
domingo, janeiro 21, 2007
à flor da pele
Tento matar o tempo dentre essas quatro paredes
Hoje resolvi não sair de casa
O tempo está chuvoso, é frio lá fora
E sozinha com essa paisagem à janela não resisto ao vício
Disco o número de cor
Você atende com aquele sotaque que adoro
E já na primeira frase eu me derreto a imaginar você de bermudas e havaianas
andando na areia com sua garrafa d´água de dois litros
Me ponho a pensar em como se vestiria no calor
E acho graça.
Penso em te chamar para ir a um show comigo
Mas acho melhor não, seria muita audácia.
Eu podia inventar que ganhei um ingresso. Besteira!
Volto para nós de mãos dadas matando o tempo juntos
Debaixo do edredon quentinho.
Vejo-me lendo Schiller em voz alta de calcinha
num domingo igual a esse
Você caçoa do meu sotaque e me corrige.
Eu te ensino espanhol, o domingo vai terminando.
E eu te chamo para assistir a um filme.
Hoje resolvi não sair de casa
O tempo está chuvoso, é frio lá fora
E sozinha com essa paisagem à janela não resisto ao vício
Disco o número de cor
Você atende com aquele sotaque que adoro
E já na primeira frase eu me derreto a imaginar você de bermudas e havaianas
andando na areia com sua garrafa d´água de dois litros
Me ponho a pensar em como se vestiria no calor
E acho graça.
Penso em te chamar para ir a um show comigo
Mas acho melhor não, seria muita audácia.
Eu podia inventar que ganhei um ingresso. Besteira!
Volto para nós de mãos dadas matando o tempo juntos
Debaixo do edredon quentinho.
Vejo-me lendo Schiller em voz alta de calcinha
num domingo igual a esse
Você caçoa do meu sotaque e me corrige.
Eu te ensino espanhol, o domingo vai terminando.
E eu te chamo para assistir a um filme.
quinta-feira, janeiro 18, 2007
terça-feira, janeiro 16, 2007
E.T.
Na escrivaninha duas canecas coloridas daquelas que se ganham de brinde, uma cheia, outra vazia. Cappuccino em pó era o que resolvera experimentar na última ida ao supermercado.
Nao estava exatamente bom, mas também nao era de todo ruim. Pensava na praia e na data do carnaval que pela primeira vez ela nao sabia quando era. Pra quê? Tao longe.
Acabara de voltar de uma reuniao no planeta marte – assim imaginara. Se o povo moderninho da terra dela já era meio over de vez em quando, que dirá esses por essas bandas. Blusas coloridas por baixo de ternos cinzas de corte clássico, brincos em lugares nunca d`antes pensados, botoes eletrônicos de diversas cores, fios e mais fios, monitores plasma, câmeras prateadas! Era 2046? Indagava a si mesma e ria ouvindo Alfie, novo álbum do Sonny Rollins no seu ipod shuffle. Nao ligava muito para a música, colocou os fones brancos como velhinhas esquecem a TV ligada: um hábito para fingir que há possíveis interlocutores pelo caminho.
Marcianamente feliz, pensa que nao tendo consciência do que se passa naquele planeta do outro sistema solar talvez seja possível ser completamente feliz por cá.
Nao estava exatamente bom, mas também nao era de todo ruim. Pensava na praia e na data do carnaval que pela primeira vez ela nao sabia quando era. Pra quê? Tao longe.
Acabara de voltar de uma reuniao no planeta marte – assim imaginara. Se o povo moderninho da terra dela já era meio over de vez em quando, que dirá esses por essas bandas. Blusas coloridas por baixo de ternos cinzas de corte clássico, brincos em lugares nunca d`antes pensados, botoes eletrônicos de diversas cores, fios e mais fios, monitores plasma, câmeras prateadas! Era 2046? Indagava a si mesma e ria ouvindo Alfie, novo álbum do Sonny Rollins no seu ipod shuffle. Nao ligava muito para a música, colocou os fones brancos como velhinhas esquecem a TV ligada: um hábito para fingir que há possíveis interlocutores pelo caminho.
Marcianamente feliz, pensa que nao tendo consciência do que se passa naquele planeta do outro sistema solar talvez seja possível ser completamente feliz por cá.
quinta-feira, janeiro 11, 2007
Que saco o individuo pos-contemporaneo
A gente sempre sabe o que o outro quer, mas finge para si mesmo que nao sabe na esperanca de descobrir que o querer dele é o nosso desejo. Mas as pessoas podem querer num dia uma coisa e no outro, outra. Podem nem saber o que querem. Quando nao sabem o que é levar um pé na bunda, pior ainda. Nao um qualquer, mas daqueles bem no meio, em cheio. Pé na bunda é transformador, ajuda o sujeito a tomar decisao em relacao aos seus próprios sentimentos futuros. Esse negócio de ser confuso nao tá com nada.
domingo, janeiro 07, 2007
Privat Party
Caía aquela chuva fininha e gelada típica de Berlim e nós duas em busca de um Imbiss turco aberto para comprar cerveja para levar para a festinha. Uma „privat party“ como chamam.
No Brasil minha saída preferida sempre foi para as festinhas nas casas de amigos, às vezes duas, três por noite, às vezes semanas sem nenhuma acontecer. Nos últimos tempos era só isso o que eu fazia à noite, beber no Braseiro, BG, boteco da esquina, Lapa e festinhas. Showzinho de vez em quando também não ia mal.
Em Berlim, a rotina noturna começa a ser de festinhas em algum lugar da cidade na casa de algum fulano que eu geralmente não conheço muito bem ou nunca vi na vida.
Como de hábito, catávamos uma rua X paralela à rua Y. Na raça, sem carro, andando na chuva carregando seis garrafas de Berliner Pilsen cada uma.
Ufa! Chegamos. Lá pelo terceiro lance de escada, ouvimos música eletrônica alta. Eu: Hum, parece animado né? Ela: Aposto que a gente vai entrar e vai ter um monte de gente sentada na cozinha comendo macarrão.
Não deu outra. Na cozinha, até que tinha um monte de gente em pé, mas o super pote de salada de macarrão imperava no meio dos pães, pastinhas e falafels. Claro que todos estavam enfurnados na cozinha. Esse é geralmente o lugar preferido, mas aqui ainda mais, porque os apartamentos não tem sala.
A cerveja é sempre temperatura ambiente, porque imagina se alguém vai se preocupar em preparar baldes de gelo para gelar a bebida!... Para quê?
Uma coisa eu guardei e vou copiar no meu próximo aniversário com festa: a aniversariante estava de asinhas e coroa. Adorei!
No Brasil minha saída preferida sempre foi para as festinhas nas casas de amigos, às vezes duas, três por noite, às vezes semanas sem nenhuma acontecer. Nos últimos tempos era só isso o que eu fazia à noite, beber no Braseiro, BG, boteco da esquina, Lapa e festinhas. Showzinho de vez em quando também não ia mal.
Em Berlim, a rotina noturna começa a ser de festinhas em algum lugar da cidade na casa de algum fulano que eu geralmente não conheço muito bem ou nunca vi na vida.
Como de hábito, catávamos uma rua X paralela à rua Y. Na raça, sem carro, andando na chuva carregando seis garrafas de Berliner Pilsen cada uma.
Ufa! Chegamos. Lá pelo terceiro lance de escada, ouvimos música eletrônica alta. Eu: Hum, parece animado né? Ela: Aposto que a gente vai entrar e vai ter um monte de gente sentada na cozinha comendo macarrão.
Não deu outra. Na cozinha, até que tinha um monte de gente em pé, mas o super pote de salada de macarrão imperava no meio dos pães, pastinhas e falafels. Claro que todos estavam enfurnados na cozinha. Esse é geralmente o lugar preferido, mas aqui ainda mais, porque os apartamentos não tem sala.
A cerveja é sempre temperatura ambiente, porque imagina se alguém vai se preocupar em preparar baldes de gelo para gelar a bebida!... Para quê?
Uma coisa eu guardei e vou copiar no meu próximo aniversário com festa: a aniversariante estava de asinhas e coroa. Adorei!
quinta-feira, janeiro 04, 2007
Auto-ajuda
Sua vida é um filme e você, o ator. Na verdade aquela situação que você está vivendo é temporária, você está dentro de uma história afinal. Precisa se preparar para entrar em cena. Está ensaiando para logo ser outra pessoa. A partir do ação, tudo muda. Sua voz, seu jeito. Você não é mais você. Você é um outro alguém, com outro passado, outros objetivos e projeções. Você faz coisas que nunca faria se fosse você. Esse jogo é cansativo, de vez em quando você sente falta de você, mas prefere não pensar nisso porque atrapalha a atuação.
segunda-feira, janeiro 01, 2007
PORMENORES do reveillon em Berlim
Sabe que eu esqueci de comemorar a meia-noite no horário do Brasil?? Mas também eu ia parecer uma louca gritando sozinha na rua. Quer dizer, mentira, vários loucos gritando sozinhos na rua ontem...
Minha noite foi linda, mas eu realmente percebi que estou envelhecendo. Sempre tive complexo de ser mais velha do que eu sou, um complexo de filha mais velha.Ontem foi talvez a primeira vez que tive consciência do que é crescer. Engracado isso ter acontecido logo na virada do ano. E nao é ruim nao, é bonito perceber que nossos gostos mudam, a gente amadurece. Deu saudade de ser adolescente!..., de gostar de alguns perrengues que nao me pegam mais.
Comecei o dia de revéillon às 14h30 para comer em algum lugar porque nao tinha nada aqui em casa e dia 31 em Berlim nao tem nenhum mercado aberto. O comérico por aqui funciona pela metada nessa época do ano. Férias entre natal e revéillon. Vêm turistas para cá mas neguinho nao quer nem saber, nao trabalha nessa época e pronto. Justo!
Fui me encontrar com a Alice e escolhemos um restaurante indiano. Uma delícia esses vários restaurantes de imigrantes. Cada dia eu como em um diferente. Comidas deliciosas e baratíssimas. Com os turcos eu parei porque é sempre o mesmo gosto.Descobri que na verdade, nos indianos também. O mesmo tempero. Assim como os vietnamitas/tailandeses, minha comida preferida. Nao fui ao „Vietna“, como eu chamo o vietnamita que freqüento porque sabia que estava fechado.
Nos indianos o cardápio tem sempre 700 opcoes de pratos! Nao é brincadeira, os pratos sao numerados, ontem havia 345 opcoes no menu. 345!! Só pode ser estratégia de marketing deles para termos a sensacao de estar sempre experimentando uma comida nova. O cliente fica perdido, lendo e relendo aquilo tudo sem conseguir se decidir. Acabou que Alice pediu o prato 30 e eu o 272. Veio a mesma coisa com a sutil diferenca de três raspinhas de avela sobre os meus legumes, o resto era igualzinho. Constatamos que eles têm um panelao de arroz amarelo e uma de legumes e é isso aí. As 345 opcoes sao engana-trouxa. De qualquer forma, estava tudo uma delícia. Bebemos uma Warsteiner vom Faß (tipo chopp) enquanto ela me contava da viagem para Antuérpia e Bruxelas. Foi com o namorado para lá no natal e voltou ontem mesmo, um pouco antes do nosso encontro. Eu fiquei contando as poucas novidades de Berlim na ausência dela.
De lá viemos para casa tomar banho e nos prepararmos para a festa! Horas a fio para escolher uma roupa. Como é difícil escolher uma roupa de revéillon no frio. Nao queria ir de preto, mas as minhas opcoes de casacao sao cinza e preto. Fui de preto, mas com uma blusa dourada por baixo e um casaco puli vermelho, cor do amor. Agarrei-me a esse vermelho aí. A calcinha foi amarela, mas meio desbotada, nao sei se isso é um bom sinal.
Enquanto Alice se arrumava na casa dela fiquei conversando com a galera que ela mora (dois nerds da informática, mas do bem!) e bebendo whisky.
Partimos animadas para casa do Fabian em Neukölln. Os fogos estourando pelas ruas. Aqui a mania é qualquer um soltar fogos! Faz parte da cultura. Pais ensinam as criancas como fazer. Me dá medo. Pelo menos nao é pior do que em Amsterda, onde entrei em pânico.
Neukölln é uma área mais fudida daqui de Berlim. Nao é bairrozinho da moda. Moram muitos turcos e também uma pequena galera muito alternativa. Mas nao os alternativos hypes. É difícil explicar isso, sao os alternativos que nao querem seguir as tendências dos alternativos normais. Ai, deixa para lá.
No nosso trajeto resolvemos comprar red bulls gelados para misturar com o Ballantines e ir bebendo. Porque beber cowboy tava ruim e comprar gelo em Berlim dia 31, impossível. Fomos tagarelando até chegar no Hermanplatz onde paramos para comprar cerveja para levar para a festinha. Dizem que essa praca é perigosa. No entanto, sem mais pudores, nos sentamos no banquinho no frio a beber nossos whiskies com red bull e desatamos a falar. Sobre o Rio, projetos para 2007, nossa vontade de fazer alguma séria pelo nosso país, nossa eterna condicao de imigrante aqui, eu contei dois roteiros que acabei de escrever, Alice dos palcos que quer montar por aí.
Até que a gente se tocou que estávamos as duas bêbadas sentadas num banco de praca às 21h do dia 31, e ainda por cima com sacolas plásticas cheias de cerveja e com duas garrafas de whisky.
Levantamos e continuamos o trajeto. Eu ainda insisti para passar no banheiro do Mc Donalds, mas Alice me garantiu que a casa do Fabian estava a uma estacao de nós, era ali do lado. Obviamente pegamos o metrô para o lado errado, saltamos, tivemos que voltar e: casa do Fabian. Estava ele, a namorada e o Piti, Mitbewohner dele. Já estávamos bebinhas e alegres. Eles ainda comecavam a noite conversando na cozinha.
Tome whisky até que o Piti surge com um jogo que foi dos avós dele. Umas cartas com perguntas e outras com respostas. Um jogo alemao dos anos 60 para fazer as pessoas se conhecerem. Foi tao engracado! Cada um tirava uma carta de pergunta e apontava quem deveria responder. O escolhido respondia com uma carta também. Super divertido, Até que chegou uma galera. A Sabine, ex-Mitbewohnerin da Alice e do Fabian. A Alice morou com o Fabian e com o Piti, daí a origem desse povo todo. Sabine vem com uma galera.
Convesamos à beca na mesa, à beca. Eu nem sei o que tanto falei. Contei pro Piti do meu natal em pormenores e ficamos ouvindo música eletrônica alema em K7. Mania de berlinense cultivar hábitos antigos e guardar velharia. Curto. Como assim ouvir cassete? Ando tao acostumada a ver coisas esquisitas que na hora me pareceu super normal aquilo. Só agora que me toquei da estranheza. Estávamos ouvindo música gravadas em cassete.
As pessoas bebiam drinques. Eu e Alice continuávamos no whisky. Até que o Fabian surge da dispensa com uma caixa de fogos. Eba, vamos lá para fora! - gritei animada. A princípio tínhamos combinado de ver os fogos no Hermannplatz, a tal da pracinha perigosa que fica ali perto. Mas enrolamos tanto que acabamos indo às cinco para meia-noite para a rua, e ficamos ali na porta do prédio.
Os fogos estouravam bonito. Todos saíram de suas casas e ficaram ali vendo e soltando-os também porque aqui nao tem uma prefeitura responsável por eles. Foi bonito todos felizes pela rua. Eu nem olhei no relógio, mas sei que em algum momento comemorei a meia-noite. Muito. Pulei de um lado a outro da rua, abracei uns turcos, fiz um turco e um alemao na porta do prédio ao lado se abracarem. Nessa hora peguei a câmera e comecei a clicar. Fiz questao de registrar o abraco.
Tudo muito lindo nao fosse eu e Alice no auge da empolgacao, depois de cairmos no chao algumas vezes, rolarmos na merda sem perceber. Sim, rolei na merda na virada. A gente se abracou tao forte que caiu. Num canteiro de terra que tava cheio de merda. Parece. Eu nao vi. Disseram-me. E eu senti o cheiro de merda na barra da saia depois. E lavei-a na pia. Ainda bem que foi só na barra. Com a Alice foi o casacao. Que ela lavou e deixou no Heizung até a gente partir.
Conversamos mais um monte lá dentro depois desses fogos todos. Ah! Esqueci de contar que depois de entrar o ano na merda, o Piti ficou me ensinando a soltar fogos e destemida que estava acendi vários. Acabamos com a caixa, foi uma delícia! Vinícius tinha razao quando dizia que whisky é um cao engarrafado. No final Alice estourou um na mao, mas nem sentiu. Ficou tudo bem, só susto mesmo.
De volta à cozinha, Sabine desata a me contar de um porco „tradizionel gemacht“, receita da família dela que eu e Alice estávamos convidadíssimas, ela queria muito apresentar o prato para a gente. Estava tao animada que fiquei com pena de falar que sou vegetariana. Ela descrevia-me com detalhes como eles abrem o estômago do porco, retiram tudo, enchem com carne de outros animais e depois costuram de volta. Fez questao de reforcar que só se pode comer esse prato em casa, nao em restaurante. Obrigada, eu já estava com o estômago embrulhado de qualquer jeito. Já nao sei que tantas da manha eram e eu queria dancar de qualquer jeito. Depois de muitas tentativas conseguimos partir. Eles e a gente nao parávamos de falar e se a gente nao tomasse uma atitude nao sairia dali. Fomos. A gente nao sabia muito bem para onde, mas íamos.
Na estacao, dois alemaes de Bodensee perdidos vêm perguntar para gente onde ficava a rua tal. Nao fazia a menor idéia, mas eles garatiram que lá tinha uma „Haus party“. Opa, festinha é com a gente.
Entramos no trem sem saber para onde a gente tava indo. O problema é que ninguém sabia nem em que estacao a tal da rua ficava. Fomos simplesmente indo até perceber que estávamos nos emburacando pela linha U8 que dá em lugares nao muito agradáveis. Os alemaes de Bodensee estavam super seguros ao lado de duas cariocas manjadas em Berlim.
Desistimos da festa, voltamos o caminho e decidimos: Panorama Bar. Panorama nunca é ruim. É um bar, clube de música eletrônica incrível daqui. Comeca a ficar bom umas quatro da manha e quem tiver arrumadinho demais nao entra. Pode? Cool é ser meio rasgado, descombinando. Enfim, estávamos indo para o Panorama, os meninos comecam a conversar com os caras do banco ao lado. Tava esse clima todo-mundo-fala-com-todo-mundo. E acabou que saltamos no Alexanderplatz e deixamos eles para trás sonhando com a nossa pizza da minha Guanabara daqui, um italiano na minha rua que fica aberto 24h e todos os pratos sao feitos a mao e na hora. Da Guanabara só o timing mesmo porque o público freqüentador é só da galera da rua e dos aposentados e desempregados alemaes que adoram ficar papeando com o dono ou com seu filho.
Foi comendo a pizza de Mozzarela com o, como eles chamam a Marguerita, que percebi mais uma etapa da vida se passando. Eu e Alice desistimos de ir ao Panorama porque imaginamos a fila na porta na noite de revéillon, aquele perrengue para entrar e gastar dez euros e mais as bebidas, nao, vamos para casa. Nesse momento senti saudades dos meus dezoito anos. Falei que estava me sentindo velha e Alice para me consolar, dizia que eu nao arrajaria um marido no Panorama de qualquer jeito.
Assinar:
Postagens (Atom)